Quinta, 07 Março 2019

Nos últimos 2 anos, mais de 82 mil pessoas desapareceram no Brasil

Encontrar uma pessoa desaparecida é um drama que aflige milhares de famílias no Brasil. São inúmeras as histórias de parentes que vivem por décadas sem notícias sobre o paradeiro de seus familiares. No âmbito nacional, números publicados no anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que 786.071 desapareceram entre os anos de 2007 e 2017. Ainda de acordo com o estudo, 82.684 casos ocorreram nos dois últimos anos.

Somente no Estado de São Paulo, cerca de 25.200 pessoas desapareceram no ano retrasado, de acordo com o último levantamento do Ministério Público paulista.

De acordo com as estatísticas, houve queda nos números desde 2014, ano no qual foi registrado o maior índice de desaparecidos (33.631). No entanto, os dados mostram um volume bastante alto em relação a 2009, quando o estudo foi divulgado pela primeira vez.

Embora os números tenham caído nos últimos três anos, ainda são considerados altos e estão acima do valor registrado em 2009, quando o MP analisou as estatísticas sobre desaparecidos no Estado pela primeira vez — naquele ano, foram 19.202 casos.

A recente aprovação no Senado de um projeto de lei que cria a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas (PLC 144/2017) pode ser um avanço para aqueles que atuam na investigação dos casos e especialmente um alento para as muitas mães que lutam para reencontrar seus filhos.

Entre os principais pontos da proposta — que aguarda pela sanção presidencial para ser colocada em prática — estão algumas ações articuladas e a reformulação do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, criado há dez anos, mas que ainda carece de medidas que possam facilitar a coleta de informações dos casos.

Dificuldades na investigação

Uma das muitas brasileiras que sofrem com a ausência de um membro da família, Ivanise Esperidião da Silva Santos, em busca da filha há 23 anos e fundadora da ONG conhecida como Mães da Sé, espera que a lei possa quebrar algumas barreiras que dificultam o trabalho de localização de desaparecidos no país.

"Li alguns pontos do projeto. [Pontos positivos] Tem a integração das delegacias, o acesso a alguns serviços que as famílias não têm. Hoje, os albergues não deixam que tenhamos acesso aos registros", avaliou Ivanise, demonstrando ter certas ressalvas quanto à eficácia da medida. "Prefiro ser otimista. Se a coisa não acontecer, vou cobrar como mãe e como sociedade civil. O que não pode é a mãe ser privada do direito de saber por onde o seu filho passou. E isso é o que acontece hoje", completou.

São vários os motivos para o desaparecimento de uma pessoa. Segundo a ONG Mães da Sé, os casos de solução mais simples são aqueles que envolvem pessoas com deficiência intelectual, esquizofrênicas ou crianças perdidas.

"A criança que realmente desaparece é usada para fins criminosos, como tráfico de órgãos, de seres humanos, adoção ilegal, exploração sexual, etc. Quanto maior o tempo do desaparecimento, menor a chance de você encontrá-la", avaliou Ivanise Esperidião da Silva Santos.

A integrante da ONG Mães da Sé diz que o desaparecimento de crianças desaparecidas que se prolongem por muito tempo, em geral, ocorrem em circunstâncias muito parecidas. Por exemplo, enquanto as crianças brincam na porta de suas casa ou a caminho da escola sozinhas. "A impressão é que essas crianças já estavam sendo observadas há algum tempo. Não tem outra explicação", complementou Ivanise, que aguarda por uma notícia da filha há mais de duas décadas.

A filha dela, Fabiana Esperidião da Silva, de 13 anos, havia saído de casa, na região de Pirituba, zona norte de São Paulo, por volta das 20 horas do dia 3 de dezembro de 1995 para visitar uma amiga que fazia aniversário, mas não havia festa.

A garota foi dar um abraço na aniversariante junto com outra amiga - que morava a 300 metros. No caminho de volta, cada uma tomou o rumo da própria casa. No entanto, Fabiana desapareceu na Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, a cerca de 120 metros do portão de casa e nunca mais foi vista.

Estatísticas e trabalho policial

A promotora do Ministério Público de São Paulo Eliana Vendramini, que se dedica ao tema há vários anos e está em contato com famílias que não perdem as esperanças de voltar a abraçar os seus entes amados, entende que é preciso acelerar o trânsito das informações para que a leitura dos dados seja feita o mais rapidamente possível.

Para tanto, ela cobra da Secretaria da Segurança Pública paulista mais agilidade no envio dos boletins de ocorrência registrados no Estado para o órgão - os casos do ano passado ainda não foram repassadas ao MP.

"Já requisitei os dados [de 2018]. A SSP ainda não nos enviou. Os boletins de ocorrência estão cadastrados e guardados na Prodesp {Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo].

Eliana Vendramini faz uma crítica construtiva ao governo paulista em relação à tomada de decisões que melhorem o trabalho da Polícia Civil no tocante ao tema.

"Falta dedicação instrumental e pessoal da administração pública com a temática. Bons profissionais foram colocados em um local onde há menor valia do tema", frisou a promotora de Justiça.

A promotora também defende mudanças no conceito de pessoas desaparecidas — classificadas em voluntárias, involuntárias e incapazes —, transparência nas informações e atuação integrada com a União.

"Esclarecer o conceito sob a ótica federal. Definir quais órgãos terão que atuar. Juntar os dados estaduais, fazer um cadastro nacional e alocar forças públicas", resume a promotora.

O drama das Mães da Sé

No dia 3 de novembro de 2008, Felipe Damasceno, um jovem de 16 anos, disse à mãe, Lucineide Damasceno, que iria até a casa de um conhecido, em um bairro vizinho ao Jardim Monte Verde, onde a família morava, na região do Grajaú, na zona sul de São Paulo.

A mulher não desconfiou de nada. O garoto, que não tinha o costume de sair sem falar o destino, disse que voltaria logo. Porém, as horas passaram, a madrugada chegou, o dia seguinte amanheceu e Felipe ainda não havia voltado.

A essa altura, o coração da mãe já estava apertado. Preocupada, Lucineide foi até a casa da filha, Amanda, que na época tinha 19 anos, para ver se o Felipe tinha passado por lá. Como a resposta foi negativa, mãe e filha passaram a procurá-lo nas casas vizinhas e a abordar amigos do adolescente.

O fato de o jovem ter saído de moto — ele havia comprado uma motocicleta, apesar de ainda não possuir idade para ter habilitação — deixou os parentes tensos pela possibilidade de ter ocorrido um acidente. Então, hospitais da região foram incluídas na relação de locais para verificar.

Os parentes de Felipe receberam uma informação de que o rapaz teria sido parado em uma abordagem feita por uma equipe da GCM na região. Porém, ao questionar os guardas municipais na sede local da corporação, receberam uma negativa. Não havia registro da suposta ação.

Preconceito

Diante da falta de pistas sobre o paradeiro do filho, Lucineide foi até a delegacia mais próxima de sua casa (25º DP - Parelheiros). No local, a mãe conta que teve o primeiro choque em sua caminhada para localizar o filho. Policiais que estavam no plantão teriam desdenhado do caso e se recusado a registrar o desaparecimento.

"O delegado foi desagradável comigo. Não queria fazer o boletim de ocorrência. Disse que era para esperar, porque todo filho vagabundo voltava para casa".

Em choque, Lucineide questionou a atitude que considerou ser uma demonstração de falta de interesse pelo caso e disse que foi ofendida. "Toda mãe de vagabundo defende o filho que tem", teria dito o plantonista.
No dia seguinte, a mãe voltou ao distrito policial e o desaparecimento foi finalmente registrado.

Caso misterioso

O rapaz com quem Felipe havia saído para se encontrar na noite em que desapareceu, conhecido como Vinícius, também havia sumido. No entanto, a identidade dele e os passos da investigação para encontrá-lo sempre foram um mistério para Lucineide e sua família. Ela nunca soube o que teria havido com esse rapaz.

Meses depois, a moto de Felipe foi encontrada e levada para o pátio do 25o DP, mas a família não teve acesso ao veículo ou aos detalhes sobre a localização do mesmo. Há três anos, surgiram boatos sobre a reaparição de Vinícius, fato que poderia dar um novo alento nos esforços para encontrar Felipe. No entanto, Lucineide conta que nunca conseguiu confirmar tal informação com a polícia ou outras autoridades.

"Passei até mal. Corri para o Ministério Público. Procurei a doutora Eliana [Vendramini, promotora de Justiça]. Mas o DHPP disse que havia ocorrido um mal-entendido. Procuro meu filho desde então. Revisito os mesmos lugares em busca de pistas: hospitais, presídios, cracolândias, abrigos para moradores de rua, IMLs, matas da região. Virou uma coisa rotineira na minha vida", desabafou a mãe.

Lucineide também se queixa da atuação da delegacia especializada da Polícia Civil de São paulo na investigação de pessoas desaparecidas, ligada ao DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). "O DHPP não me procurou. Na verdade, eles ligam na minha casa e perguntam se tenho alguma informação a passar", criticou.

Seguir em frente

O drama mudou a vida de Lucineide e de sua família. O ex-marido (pai de Felipe), além dos outros dois filhos dela — Amanda, hoje com 30 anos, e Anderson, de 18, fruto do segundo casamento —, seguem em busca de pistas que possam ajudar na localização de Felipe.

"O meu coração diz que ele está por aí, perdido. Talvez um surto tenha feito com que ele não voltasse para casa. Talvez ele quisesse me proteger de alguma coisa. Será que bateram no meu filho? Não acredito que o Felipe esteja morto. Ele só não tem como se comunicar comigo", enfatizou a mãe.

Lucineide garante que tanto sofrimento e até mesmo as dificuldades pelas quais a família passa atualmente, após tantos anos de esforços para encontrar Felipe, também originaram aspectos positivos em sua vida. Hoje, ela se dedica integralmente a ajudar outras mulheres que vivem o mesmo drama e, como ela, procuraram apoio na ONG Mães da Sé. Além de realizar outros trabalhos comunitários.

"Sou uma pessoa melhor. Tento olhar mais para os outros. E penso naquilo que ainda preciso aprender para achar esse menino", complementa Lucineide, que luta contra a depressão. "Me sinto inútil quando vejo uma mãe ir embora sem notícias do seu filho. Dediquei-me totalmente à causa", finaliza.

CICV

Marianne Pecassou, coordenadora para atividades de proteção do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) para países sul-americanos (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai), entende que o ponto essencial para lidar com o tema no país é criar mecanismos nacionais de coordenação e esforços interinstitucionais.

A especialista, que já acumulou experiências com a temática dos desaparecidos em outros países da América Latina, Europa e África, enfatiza que é preciso reunir as instituições para coordenar os esforços de busca. "[Órgãos] Medicina legal, secretarias de saúde, sistema penitenciário e outras instituições devem estar todos em uma só mesa", explicou Marianne.

Reconhecimento das autoridades

Marianne revelou que avalia as necessidades das famílias porque, mesmo em âmbito mundial, pessoas desaparecem em contextos diferentes e isso abala as famílias de várias maneiras. A ideia, segundo ela, é observar as dificuldades vividas pelos parentes de desaparecidos nos mais diversos aspectos, como: sócio-econômico, administrativo, jurídico, psicológico e psicossocial.

A funcionária do CICV destacou que também é preciso reconhecer o problema e tratá-lo como uma questão relevante, sem deixar de procurar qualquer desaparecido ou considerar o caso como concluído até que existam provas do pareceiro daquela pessoa, se está viva ou morta. "Há necessidade de reconhecimento do problema pelas autoridades. Elaboramos uma série de recomendações às instituições diversas, do Estado e da sociedade civil, para que possam dar respostas aos familiares", explicou.

Medidas e avanços

Marianne considerou positiva a aprovação do novo Plano Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, pois deverá facilitar o cruzamento de dados sobre o tema e o abastecimento do cadastro nacional, criado há dez anos, mas ainda pouco eficaz, muito pela falta de uma política unificada no país.

A especialista também elogiou um ponto específico do projeto que trata da definição de pessoas desaparecidas. "[A lei] diz que se a pessoa está desaparecida, tem que ser procurada. É o início do caminho. Mas ainda é muito genérico. Tem que ser complementado por outros projetos ou regulamentações. É preciso entrar em detalhes", concluiu.

Brasil e Mundo

Apesar das dificuldades em se comparar ações que envolvam a investigação de desaparecimentos no Brasil e em outros países devido às diferentes causas (violência, catástrofes, conflitos armados, doenças, etc.), Marianne Picassou vê algumas similaridades na abordagem das autoridades em âmbito mundial.

"A reunião de dados consolidados e confiáveis é bastante difícil. Tratar de desaparecimento é complexo. Os processos de busca são de longo prazo. É preciso ter paciência, organização e sistematização. E é a mesma coisa no mundo todo", analisou a funcionária da CICV.

Outro lado

O R7 solicitou informações sobre os casos de desaparecimento de Fabiana Esperidião da Silva e Felipe Damasceno à Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP). A Polícia Civil se posicionou sobre o andamento das investigações por meio de nota.

Sobre Fabiano, a instituição informou que foram realizadas pesquisas no banco de dados da Polícia Civil e de outros órgãos vinculados para auxiliar na localização do rapaz. Em 2014, foi elaborada a fotografia do desaparecido com a progressão de idade.

O desaparecimento de Fabiana Esperidião da Silva também se encontra em aberto. Segundo a Polícia Civil, foram realizadas inúmeras diligências, internas e externas, além de diversas oitivas com familiares e testemunhas. Também foram feitas pesquisas nos bancos de dados disponibilizados à corporação.

Orientações

O DHPP orienta as pessoas que procurem qualquer delegacia para registrar um boletim de ocorrência em casos dessa natureza. Em seguida, a unidade policial abre um Procedimento de Investigação de Desaparecido (PID), que consiste na inserção da fotografia da vítima desaparecida nos sistemas do Estado; pesquisas no Banco de Dados da Polícia Civil e de outros órgãos, e comunicação a Polícia Federal.

Números e investimentos

Em 2018, a Polícia Civil informa ter localizado 26.658 pessoas no Estado de São Paulo. Já o número de desaparecidos, no mesmo período, foi de 24.368.

O comunicado da instituição acrescenta que o trabalho de investigação desenvolvido em conjunto com os investimentos em tecnologias — como o sistema de Busca de Desaparecidos, do IML, e o Laboratório de Arte Forense, do DHPP — tem permitindo que os números cresçam a cada ano.

Também foi solicitada uma entrevista com a senadora maranhense Eliziane Gama, relatora do projeto que implementa a nova Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas na Casa. Perguntas foram encaminhadas para a assessoria de imprensa da congressista, mas não houve resposta.

Fonte: R7

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