No país, estimativas indicam que desapareçam em torno de 50 mil crianças e adolescentes por ano e que quase 250 mil estejam ainda fora do lar. Na Paraíba ainda não há dados precisos sobre este problema. Dados do Centro Integrado de Operações Especiais (CIOP) mostram que nos últimos dois anos foram recebidas 529 ocorrências de pessoas desaparecidas na Paraíba. Já os dados da Polícia Civil indicam que, no ano de 2018, foram registrados 178 casos de desaparecimento de pessoas, sendo 23% desse total de crianças e adolescentes.
De acordo com os especialistas e representantes de instituições que participaram do evento, o grande entrave para a não solução desse problema é a falta de informação. “Não temos no país um cadastro de crianças desaparecidas, não há uma integração das informações. Nós, como cidadãos, temos a obrigação de promover essa luta até que todas as crianças possam ser resgatadas, e impedir que novas desapareçam”, destacou o integrante da Comissão de Ações Sociais do Conselho Federal de Medicina (CFM), Ricardo Paiva.
Ele ressaltou que o CFM, em parceria com os conselhos regionais, vem realizando esses debates em diversas cidades brasileiras. “Esta é a sexta cidade em que realizamos o seminário e, com certeza, foi o maior evento que fizemos. Não apenas no número recorde de participantes, mas na vibração, no envolvimento de tantas pessoas”, destacou. “Ficamos muitos satisfeitos com a mobilização que foi feita aqui na Paraíba para discutir um assunto tão importante e que gera um grande sofrimento social. O CFM tem lutado por essas ações humanísticas, que promovam soluções e debates para melhorar a sociedade”, completou o secretário-geral do CFM, Henrique Batista e Silva.
O presidente do CRM-PB, Roberto Magliano de Moraes, destacou que o evento é um marco importante para o conjunto de ações sociais que o Conselho desenvolve. “Em um país com tantas notícias ruins, vi hoje que há vários caminhos possíveis, apenas precisamos estar unidos”, disse Magliano.
O evento contou também com explanações de representantes dos Ministérios Públicos de São Paulo e da Paraíba, da Polícia Civil e da ONG Mães da Sé. Representantes de diversas outras instituições, além de médicos e estudantes de Medicina, também puderam dar suas contribuições e sugestões durante o debate aberto ao público.
A presidente da ONG Mães da Sé, Ivanise Esperidião, emocionou a plateia ao contar sua história pessoal e sua luta pela causa. Com a filha desaparecida há 23 anos, ela falou de sua busca solitária durante os primeiros três meses do desaparecimento da menina que foi a casa de uma amiga e não mais voltou. No ano seguinte ela começou a mobilizar pessoas e instituições. “Infelizmente, o desaparecimento de crianças no nosso país é uma causa invisível aos olhos da sociedade e do poder público”, disse Ivanise. “Quem vive esse drama quer uma resposta. Vivo em um luto inacabável, na incerteza, com uma ferida que não cicatriza”, afirmou.
Programa do Ministério Público ajuda a identificar e localizar desaparecidos
A promotora de Justiça e coordenadora do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (Plid) do Ministério Público de São Paulo, Eliana Vendramini, apresentou o trabalho que vem realizando há cinco anos em seu estado e sugeriu que a capital paraibana se torne uma cidade piloto em um projeto de enfrentamento do problema. “É gratificante ver a participação de tanta gente aqui em João Pessoa para debater este assunto. Aqui há uma união de pessoas e entidades. Se estamos unidos não há a impossibilidade do combate”, disse.
Ela destacou também a importância da interdisciplinaridade e envolvimento de profissionais com conhecimentos diversos. “Este é um assunto extremamente complexo, mas que cada um de nós pode participar”, afirmou. Ela também falou da Cartilha do Enfrentamento do Desaparecimento, desenvolvida pelo MP de São Paulo e da necessidade de não se ter preconceito, nem fechar os olhos. “Os desaparecimentos não acontecem apenas em famílias desestruturadas, como muitos pensam. Muitas crianças são retiradas de nossos quintais. Essa é uma dor muito grande para as famílias, é maior que a dor da morte”, completou.
O procurador de Justiça e coordenador do Plid do Ministério Público da Paraíba, Valberto Lira, ressaltou que é preciso criar mecanismos de busca integrados no país, com ações conjuntas e apoio mútuo. “Cada estado precisa fazer o seu trabalho, cadastrar suas informações. Além disso, podemos promover palestras públicas e capacitações, por exemplo”, afirmou. Ele destacou que o Plid foi criado na Paraíba em novembro do ano passado.
Em João Pessoa, 23% dos registros de desaparecidos são de crianças e adolescentes
O delegado da Polícia Civil, Reinaldo Nóbrega de Almeida Júnior, mostrou em sua apresentação os registros de pessoas desaparecidas em João Pessoa, nos últimos dois anos. Em 2017, foram registradas nas delegacias da capital paraibana 153 casos de desaparecimento de pessoas. Destes, 36, ou seja, 23,5%, eram de crianças e adolescentes. Em 2018, foram 178 casos de desaparecimento de pessoas, sendo novamente, 23% (42 pessoas) crianças e adolescentes.
“Infelizmente, sabemos que há uma subnotificação e que há mais casos do que esses registrados nas delegacias”, disse o delegado. Outro problema apresentado por ele é a falta de ligação das investigações das polícias. “Não há um elo, uma integração entre as investigações da Polícia Civil e da Polícia Federal, por exemplo”, afirmou.
Ao final de sua apresentação, Reinaldo deixou uma dica de segurança aos presentes. “Um smartphone é uma ótima ferramenta para encontrarmos desaparecidos. Mesmo que o aparelho esteja desligado, podemos encontrá-lo, desde que tenhamos seu número de identificação”, disse. Para sabermos este número, basta digitar no teclado do celular o código *#06#. Com isso, aparecerá na tela do telefone um número. “Vocês devem dar um print na tela do celular com este número, chamado de IMEI, e enviar para as pessoas da família. Incentivem seus filhos a também fazerem isso”, completou.
Debates - Após as apresentações, os participantes puderam dar sugestões e se dispuseram a fazer parte dessa rede de enfrentamento ao desaparecimento de crianças representantes de diversas entidades, como o Núcleo e Comitê de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas na Paraíba, a Sociedade de Pediatria da Paraíba, a Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TER-PB), a Associação Médica da Paraíba, a Pastoral da Criança, além de conselheiros do CRM-PB, estudantes de Medicina e sociedade civil. Durante o evento também foi mostrado o projeto da empresa Prática Sinalização, que sugere apresentar fotos de crianças desaparecidas em placas espalhadas pela cidade de João Pessoa.
O estudante de Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), André Maia, emocionou os presentes com sua fala sensível e humanista diante do drama vivido pelas famílias de crianças de desaparecidos, sobretudo do da presidente da ONG Mães da Sé. Ele contou que nasceu no mesmo mês e ano em que a filha de Ivanise Espiridião desapareceu: dezembro de 1995. “O meu tempo de vida é o mesmo da dor da doença social da dona Ivanise. Sim, o desaparecimento é uma doença social e que não tem remédio. Em minha formação médica, espero aprender a saber lidar com essas doenças também. Hoje ganhei muito conhecimento para a minha vida pessoal e acadêmica, que pretendo transformar em remédio para essas doenças sociais”, disse.
Fonte: Portal CFM