Quarta, 02 Janeiro 2019

Os desaparecidos de SC: o drama da espera e as peculiaridades da vida real

O desaparecimento de crianças, adolescentes e adultos é o tipo de registro policial que leva os investigadores a debruçarem-se sobre histórias completamente distintas umas das outras, sem padrões ou perfis previamente definidos, cujos desdobramentos podem ser trágicos, surpreendentes, ou simplesmente sem resolução.

A maior das angústias vividas por quem busca alguém é não encontrar uma resposta. “Eu não posso tirar a esperança de uma mãe se não tenho nada para colocar no lugar”, define Márcia Hendgs, agente da DPPD-SC (Delegacia de Polícia de Pessoas Desaparecidas de Santa Catarina).

Santa Catarina é o estado com a maior taxa de desaparecidos por 100 mil habitantes, segundo o 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em agosto deste ano pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Em 2017, a cada 100 mil habitantes, havia 107,7 pessoas desaparecidas. Atrás do estado catarinense, ficaram o Distrito Federal (89,2) e Rondônia (68,2).

Apesar de muita gente desaparecer no Estado – no ano da estatística foram registrados 7.752 boletins de ocorrência –, a proporção de pessoas localizadas é bastante alta. No mesmo ano, foram encontradas 6.577 pessoas, o que corresponde a 84,8% dos casos. Santa Catarina foi o terceiro estado com maior número de resoluções, ficando atrás apenas de São Paulo (94,1%) e do Distrito Federal (87%).

“O Fórum começou a avaliar os desaparecidos porque também é uma violência que ocorre. Santa Catarina tem um índice alto porque existem entidades civis atuantes no tema, o que gera visibilidade e também contribui para o número de reencontrados”, avaliou Elizandro Lotin, membro do FBSP e sargento da Polícia Militar do Estado.

De um reencontro, uma homenagem
Aos 20 anos, a pernambucana Andreza Geisa da Silva desapareceu em Joinville, no Norte do Estado, em 2013. Ela veio do Recife para a casa de uma amiga com uma proposta de emprego. Só que o trabalho não deu certo, a situação financeira apertou e a depressão a acometeu. Perdida e sem rumo, Andreza chegou a viver em situação de rua. Pouco tempo depois, acabou “acolhida” por uma família na cidade.

Só que o acolhimento se transformou em exploração. A jovem era responsável pela faxina da residência e era proibida tanto de se comunicar com a mãe quanto de sair da casa. “Eu achava que não a encontraria com vida. Nós conversamos todos os dias até que, de repente, fiquei sem contato com ela”, contou a mãe de Andreza, Rubenita Maria da Silva, 42 anos.

Após seis meses, Márcia, a investigadora da DPPD-SC, que garante checar todas as informações que chegam ao conhecimento dela, descobriu uma pista de Andreza e foi buscá-la na residência suspeita. Chegando lá, encontrou a jovem em cárcere privado. A família joinvilense respondeu pelo crime.

“Foi uma emoção tão grande quando a Márcia me ligou que eu não sei explicar. Eu caí no chão em prantos. Se ela não tivesse corrido atrás, talvez a minha filha não estaria com vida e aqui comigo agora”, completou a mãe, emocionada.

Hoje, Andreza está com 25 anos, superou a depressão, casou-se e tem uma filha de dois meses a quem chamou de Márcia - uma homenagem à investigadora que a libertou.

As crianças desaparecidas
Em fevereiro de 1989, o pequeno Diego Póvoas, de 11 anos, saiu de casa para se banhar na praia de Coqueiros, na região continental de Florianópolis. Anos depois, em 1995, Elicéia Silveira, de 9 anos, foi buscar remédio na farmácia em uma comunidade de São José. Os dois nunca mais voltaram para a família.

Na última pesquisa feita pela reportagem no site da Polícia Civil, em 27 de dezembro, havia 1.276 pessoas ainda não localizadas (14 crianças, 210 adolescentes e 1.052 adultos). A proporção entre desaparecidos e encontrados no Estado foi semelhante em 2018. Todos os boletins de ocorrência são automaticamente direcionados à delegacia.

Apesar do mistério que envolve os sumiços de Diego e Elicéia, boa parte dos casos de crianças envolve a participação de familiares, segundo o delegado Wanderley Redondo. Esta suspeita pesa sobre um dos desaparecimentos recentes mais emblemáticos do Estado: o da pequena Emili Miranda Anacleto. A menina sumiu com 1 ano de idade, em 21 de maio de 2014, após ser levada de casa pelo pai, em Jaraguá do Sul. O casal vivia em conflito.

Três dias depois, o corpo do pai, Alexandre Anacleto, foi encontrado carbonizado dentro do próprio carro, em Barra Velha, no Norte do Estado. O suspeito do crime nunca foi identificado. Um ano após o desaparecimento, a polícia dos Estados Unidos divulgou a imagem da reconstituição do rosto de uma menina encontrada morta na praia do Porto de Boston.

A semelhança do retrato com Emili motivou investigação. O DNA da mãe foi colhido para verificação, mas a compatibilidade não foi confirmada e a suspeita foi descartada. A Polícia Civil de Santa Catarina acredita que a menina está viva e continua investigando o caso.

No caso dos crimes de sequestro, por sua vez, se enquadra o famoso episódio de tráfico de mais de 600 crianças catarinenses para o exterior, na década de 1980. As famílias nunca registraram boletim de ocorrência, uma vez que se tratava de venda de bebês e não de desaparecimento. Segundo a polícia, são mais raros os sequestros hoje em dia.

Em 1980, outro caso envolveu a hipótese de sequestro. O pequeno Mikelângelo Alves da Silva, de 4 anos, desapareceu de dentro de casa, enquanto a mãe dava banho no irmão mais novo.

Elenilde Alves da Silva, a mãe de Mikelângelo, procurou por ele até o fim da vida. Foram 38 anos de buscas. Ela morreu neste ano, em Florianópolis. O rapto do menino ocorreu em Umuarama (PR). Uma das suspeitas era a de que ele tenha sido levado por uma quadrilha de tráfico de crianças. Um dos paradeiros seria o Paraguai.

Alguns anos após o sumiço do filho, Elenilde se mudou para a capital catarinense, onde contou com a delegacia especializada para seguir com a procura. Os policiais providenciaram uma progressão de imagem do rosto dele com base nos traços físicos dos pais, para dar continuidade na investigação. Se estiver vivo, Mikelângelo tem hoje 42 anos.

“Eu admirei tanto essa mulher, ela foi uma guerreira. Embora ela tivesse uma tristeza muito grande, daquela que a gente consegue sentir, ela nunca desistiu da vida”, contou Márcia, emocionada.

Violência e uso de drogas motivam fuga do lar
Nem todo desaparecimento tem, necessariamente, relação com um crime. Na maior parte dos casos, avalia o delegado Wanderley Redondo, o desaparecido fugiu por conta própria ou deixou de comunicar a família sobre saída esporádica.

Problemas intrafamiliares, que vão desde abusos a maus tratos, além do uso de drogas, estão entre as principais motivações do que ele chama de fuga do lar. Se a pessoa não quer ser encontrada, o desafio da investigação é maior. “Mesmo que a gente o encontre, se o problema estiver em casa, fugirá novamente”, ressaltou.

Na DPPD de Santa Catarina trabalham o delegado, duas investigadoras, duas funcionárias terceirizadas e um policial aposentado que retornou ao trabalho. A equipe, apesar de pequena, conta com o cruzamento de dados de diferentes sistemas para procurar os desaparecidos - como, por exemplo, frequência escolar, uso de seguro desemprego ou multa de trânsito. Ligações diárias também são feitas às próprias famílias, que não costumam avisar a delegacia quando seus familiares reaparecem - o que atrasa o trabalho da polícia.

Situações inusitadas, aliciamento e doenças
Os investigadores também se deparam com situações inusitadas. Entre elas a de um idoso com deficiência física que caiu no vão de uma obra no Cemitério do Itacorubi, em Florianópolis, durante o velório de um parente. Ele foi encontrado no dia seguinte pelo coveiro, que ouviu o celular dele tocando.

Aliciamento de jovens para transporte internacional de drogas é outro tipo de ocorrência que ganhou visibilidade nos últimos anos. Foi o que aconteceu com a moradora de Florianópolis Amanda Refatti Viezzer, de 19 anos. Ela foi presa em setembro na Itália, após ter sido descoberta com 3,2 quilos de cocaína em um fundo falso da mala.

As doenças mentais, lembra Márcia, estão na lista de causas mais comuns dos desaparecimentos. Na avaliação da investigadora, o problema de saúde pública deixou os hospitais psiquiátricos após a leia antimanicomial, e foi parar nas ruas. A luta contra a internação compulsória, que completou 17 anos desde que a lei entrou em vigor, não encontrou saída para as pessoas com doenças mentais que são abandonadas pelas famílias ou fogem de casa e acabam acolhidas pelas marquises.

Idosos com Alzheimer que escapam do lar por conta de um descuido acabam na mesma situação. Só que hoje existe a possibilidade de registro tardio de identidade – o que pode desvirtuar completamente a origem da pessoa desaparecida. “Se o idoso disser que se chama Osvaldo Pereira dos Santos, por exemplo, ele vai ser registrado assim, o que dificulta ainda mais para identificá-lo”, acrescentou Redondo.

Outra barreira da investigação é a falta de integração entre os sistemas dos estados, uma vez que não há possibilidade de fazer pesquisa ou cruzar informações com os dados disponíveis pelas demais instituições do país.

“Preciso me manter viva por ela”, diz mãe de jovem desaparecida há sete anos

Ao recordar qualquer uma das histórias que investigou, a agente Márcia Hendgs traz à ponta da língua o nome de cada uma das mães dos desaparecidos. Elas são as únicas que não desistem de procurar os filhos.

Há quem morreu sem nunca ter encontrado uma resposta, como foi o caso da Elenilde – mãe do pequeno Mikelângelo –, ou situações em que os indícios levam para uma possível morte. Só que, se o corpo não for encontrado, não é possível confirmar o óbito. E a angústia das mães persiste.

A gaúcha Lenore Xavier de Souza, 67 anos, veio de Porto Alegre para Florianópolis em 2004, e busca a filha Joana Xavier de Souza Lisboa há sete anos. Ela desapareceu aos 33 anos, após fugir da Pensão Protegida Horizonte Aberto, em Canasvieiras, no Norte da Ilha.

Joana estava internada na casa para tratar o que parecia ser uma depressão. Ela chegou a usar remédios controlados, mas os médicos não chegaram a um diagnóstico preciso sobre a sua saúde mental. Como a pensão não é uma clínica de internação compulsória – esse método foi proibido pela lei antimonicomial –, e sim um local para cuidados espontâneos aos pacientes, Joana tinha a liberdade para sair. Ela chegou a fugir duas vezes, mas foi encontrada, uma vez pela mãe dentro de um ônibus, e outra por uma enfermeira da casa, caminhando na rua.

Lenore costumava visitar a filha ao menos três vezes por semana. Fazia alguns meses que percebia a evolução emocional dela. “A Joana sempre foi muito alegre e humana, ela gosta de ajudar as outras pessoas. Canta que é uma beleza. Só que, de repente, ficou deprimida e nervosa”, contou a mãe.

Sábado era um dia sagrado de visita. Naquele do dia 13 de março de 2011, caiu um temporal e Lenore acabou adiando o encontro para o domingo, pois pretendia ir de ônibus até a pensão. Ao chegar à casa, na manhã seguinte, recebeu a notícia da terceira e última fuga de Joana.

Lenore recebeu muitas pistas de pessoas que a viram caminhando pela rua. As descrições batiam com o tipo físico da jovem. Uma das informações dava conta de que Joana teria solicitado uma carona e embarcado em um carro prata. “Até hoje, quando recebo uma pista da Joana, eu vou atrás”, contou Márcia.

Informações chegaram de todos os lados. Oportunistas tentaram se aproveitar da fragilidade da mãe, com o intuito de extorqui-la. Até uma vidente deu palpite sobre o paradeiro de Joana.

“Tem pista dela em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em tudo o que é lugar. Mas eu sempre boto alguém para olhar a informação”, contou Lenore. A saga incansável da mãe inclui dolorosas visitas aos hospitais e ao IML (Instituto Médico Legal) – quando há algum corpo com características semelhantes.

Lenore era professora do Estado e precisou deixar o trabalho após algum tempo, pois não tinha condições emocionais de continuar atuando como alfabetizadora. Todo o seu esforço foi empregado na busca. Mãe de outros três filhos, de 26, 43 e 44 anos, e avó de um menino de 13 anos, não cogita desistir.

Ela já esteve em programas de televisão, juntou-se a outras mães de desaparecidos e criou um perfil no Facebook para ajudar outras famílias. Lenore lamenta a falta de conexão entre os estados para troca de informações e acredita que o efetivo policial é pequeno para tantas ocorrências.

"Eu só quero a resposta, seja ela qual for. Quero saber o que aconteceu, onde ela está e, se não estiver mais aqui, que ao menos tenha uma cerimônia digna e proporcional à minha filha”, espera.

Às outras mães de desaparecidos, Lenore encoraja a não desistir. “Mantenham-se vivas pelos filhos de vocês. Ninguém mais vai fazer a força que tu, como mãe, faz. Mãe não se acostuma, é como um pedaço da gente que não está mais aqui. É muito triste morrer sem uma resposta”.

Quanto menos informação, melhor
Se alguém da sua família desaparecer, não divulgue muitas informações sobre ela. Essa é a orientação dos investigadores da DPPD-SC. Nome, idade, foto e a roupa com que a pessoa foi vista pela última vez já são o bastante. Detalhes pessoais e telefone para contato só devem ser compartilhados com a polícia, para evitar a atuação de oportunistas e estelionatários. É no momento de fragilidade que os criminosos atuam.

As pistas que chegam também devem ser comunicadas à polícia, para que seja feita a intermediação. Se a família fizer contato com quem está repassando os dados, pode sugestionar referências e acabar municiando o criminoso com informações sobre o desaparecido.

Caso você encontre alguém desaparecido ou desorientado no seu caminho, procure uma autoridade mais próxima ou o serviço de assistência social da sua cidade.

Na falta de serviço público, voluntários ajudam famílias
Para suprir a falta de atendimento especializado às famílias de desaparecidos no serviço público, integrantes do Gafad (Grupo de Apoio aos Familiares de Desaparecidos) oferecem apoio jurídico e psicológico de forma voluntária. O serviço é disponibilizado todas as terças e quintas-feiras numa sala no Terminal Rodoviário Rita Maria, no Centro de Florianópolis.

Aldaleia Conceição, que é presidente e fundadora do grupo, tomou a iniciativa após se solidarizar com o caso de uma vizinha, em 2010. “Muitas mães reclamavam que faziam boletim de ocorrência e depois não sabiam o que fazer com ele, então começamos a ajudá-las”, contou.

O grupo se uniu a um projeto da Polícia Militar que faz esse trabalho de divulgação dos desaparecidos e ajuda a colher informações sobre possíveis pistas. Os voluntários também distribuem material e organizam reuniões nas comunidades com viés de prevenção. Na avaliação de Aldaleia, falta investimento em recursos humanos tanto no efetivo policial como em ações da assistência social dos municípios.

Fonte: Notícias do Dia Online

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