Sexta, 31 Agosto 2018

Famílias falam sobre sofrimento de ter um parente desaparecido: 'A dúvida nos destrói'

"A dúvida nos destrói a cada dia." O desabafo de Gabriela Silva, filha de Solange Maria da Silva, desaparecida há mais de 10 meses em Sorocaba (SP), representa o sentimento de milhares de famílias no Brasil.

 

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 82,6 mil registros de pessoas desaparecidas foram contabilizados em 2017. Deste total, mais de 53 mil casos foram solucionados.

Nesta quinta-feira (30) é celebrado o Dia Internacional das Pessoas Desaparecidas e o G1 conversou com três famílias para falar sobre a angústia de viver sem ter notícia de um parente (veja os relatos abaixo). A data foi adicionada ao calendário nos anos 1980, com intuito de conseguir informações sobre os desaparecidos e evitar outros casos.

São Paulo foi o estado que mais registrou casos de desaparecidos no ano passado, total de 25,2 mil ocorrências. O número é 64% maior do que Minas Gerais, 2º colocado no ranking com 8,8 mil desaparecidos. O estado do Acre foi o que teve o menor índice, com 33 pessoas desaparecidas.

Sorocaba, sede de Região Metropolitana, registrou um aumento de 17,9% de desaparecidos entre janeiro e agosto deste ano, se comparado com os dados de 2017.

De acordo com a Delegacia Seccional de Sorocaba (DIG), dos 237 casos registrados neste período em 2018, 209 foram solucionados, o que representa 88,1%. A maior incidência de desaparecidos na cidade é de pessoas de 10 a 23 anos.

Na região de Jundiaí, foram registradas 282 ocorrências de desaparecimento de janeiro a julho de 2017. No mesmo período deste ano, foram 284 ocorrências, sendo 173 solucionadas. Os dados compreendem as cidades de Jundiaí, Cabreúva, Itupeva, Louveira, Itatiba, Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista, Jarinu e Morungaba.

Em busca de respostas
De acordo com Acácio Leite, delegado da DIG Sorocaba, não é mais necessário esperar 48 horas a partir do desaparecimento para registrar boletim de ocorrência. “Quem vai avaliar se pode ou se não pode ser feito é a autoridade da delegacia, é preciso avisar a polícia”, afirma.

Segundo ele, o B.O. deve ser feito, mesmo que online, e a Polícia Militar deve ser avisada por meio do telefone 190. Ainda segundo Acácio, o sistema informatizado da polícia permite fazer um cadastro da pessoa desaparecida no portal da Secretaria de Segurança Pública.

Ao G1, o delegado afirmou que são inúmeros os desfechos possíveis para cada caso, como a incansável busca pelo desaparecimento, a localização do corpo em caso de crime ou o retorno para casa.

A dúvida: 'É como se o luto nunca tivesse fim'
“Não sabemos se o corpo dela está em uma floresta, no fundo de um rio ou se ela está perdida por aí sem memória”, diz a jovem Gabriela Regina Silva, de 19 anos, sobre a mãe Solange Maria da Silva, desaparecida desde novembro de 2017.

A autônoma foi vista pela última vez em um forró com o marido, com quem já era casada há sete anos, na zona norte da cidade. Após saírem do local, o casal se envolveu em um acidente. O carro em que estavam caiu em um córrego no bairro Laranjeiras.

“Apesar de tentarmos digerir toda essa informação de uma maneira mais tranquila, é como se o luto nunca tivesse fim. Nunca sabemos se um dia ela pode retornar viva e bem”, conta a filha.

Gabriela tem mais dois irmãos e afirma que uma história como essa, sem desfecho, só faz o sofrimento aumentar.

O delegado da DIG afirmou que o caso é investigado e há um monitoramento em toda a região. “Sempre que um corpo ou uma mulher é encontrada, somos avisados para verificarmos se pode ser a Solange”, diz.

Acácio afirma ainda que a Polícia Civil nunca encerra as investigações de uma pessoa desaparecida, mesmo que durem anos. “O caso fica aberto até que a polícia tenha novas pistas”, diz.

Atualmente, os filhos de Solange estão morando com uma tia. “É bom estar com ela e uma ouvir a outra, afinal nós sentimos a mesma dor.”

A jovem, que fala com uma voz tranquila sobre a mãe, diz que a família procura seguir em frente e deixar o passado apenas como uma lembrança. “Minha mãe era muito animada, às vezes a saudade aperta mais do que outros dias... É sempre um ponto de interrogação”, diz a filha.

De acordo com a psicoterapeuta Adriane Siqueira Singh, quando uma pessoa próxima desaparece, há um sentimento de ambiguidade. “Ao mesmo tempo em que você passa pelo luto de alguém ter 'morrido', você continua tendo esperança”, diz.

A tragédia: 'Quando você vive na pele é horrível'
A mesma dúvida que persegue a família de Solange permaneceu na cabeça da professora infantil Rosana Guimarães, de 39 anos, por 10 dias. Ela é mãe da menina Vitória Gabrielly. A garota de 12 anos foi encontrada morta em uma área de mata em Araçariguama (SP), no dia 16 de julho.

"Só caiu a ficha que ela estava desaparecida por volta das 20h do dia que ela sumiu (8 de julho). Desde então, não dormi mais e a dúvida e os questionamentos só aumentavam. Cada minuto que passava era terrível", afirma Rosana.

Em entrevista ao G1, a professora se emocionou ao lembrar dos dias que acompanhou a polícia nas buscas pela filha. “Era um alívio não encontrarem nada, mas ao mesmo tempo, a angústia continuava. Não sabia se minha filha estava com fome, frio ou correndo perigo.”

Religiosa, um dia antes do corpo de Vitória ser encontrado, Rosana contou que teve uma conversa com Deus. “Ele disse que estava cuidando da minha filha e a traria de volta no dia seguinte”, relata.

“Um dia depois encontraram ela e não acreditei. Quando Deus disse que a traria de volta, não imaginei que seria assim. Eu não havia entendido que, na verdade, Ele já estava cuidando dela”, diz.

Recentemente a escola em que Vitória Gabrielly estudava informou o G1 que alguns alunos passaram por atendimento psicológico por conta do trauma do desaparecimento e do crime.

Rosana afirmou que também faz acompanhamento e disse que desde então está levantando a bandeira de pessoas desaparecidas. Ela já fez reuniões com políticos e afirma que vai abrir uma ONG com o nome da filha para ajudar famílias com crianças desaparecidas.

“Nem sabia que sumiam tantas crianças no país, mas quando você vive na pele é horrível. É como se eu tivesse acordado para a vida”, diz.

Ao G1, a psicoterapeuta afirmou que quando há um enterro, o luto fica mais fácil de ser superado. “Porém, quando há um fim traumático como no caso da Vitória, o familiar pode começar a imaginar as situações em que a pessoa esteve durante o sumiço e isso abala o psicológico”, diz.

O retorno: 'Tudo se transformou em alívio'
Entre alguns casos noticiados pelo G1 Sorocaba e Jundiaí, um deles teve final feliz. Layza Batista, de 16 anos, sumiu por quase uma semana. Na época, a mãe Silmara Batista contou que a filha foi vista pela última vez a caminho da escola.

Os boatos e notícias falsas sobre o paradeiro da filha, compartilhados principalmente na internet, quase desanimaram Silmara. “Simplesmente eu não acreditava mais em nada que ouvia. Era terrível”, diz.

“Ela foi e não voltou mais. Ninguém viu e ninguém sabia de nada... Pensei ‘como posso perder alguém no mundo?’ Mas graças a Deus tudo se transformou em alívio após alguns dias”, conta Silmara.

A jovem foi encontrada por uma moradora de um bairro distante de sua casa. Após a mãe ser comunicada, a jovem retornou para casa. "Ela contou que estava perdida", afirma Silmara.

Em nova entrevista ao G1, neste mês de agosto, Silmara contou que, apesar de Layza ser uma pessoa fechada, hoje tem 17 anos, está casada, e as duas mantêm uma boa relação.

O delegado Acácio leite afirma que em muitos casos a família não informa a polícia sobre o retorno da pessoa e isso pode causar problemas ao encontrar emprego e até para votar, já que os documentos ficam bloqueados.

“Outro ponto importante é que os pais conheçam seus filhos, pois muitos dizem à polícia que não sabiam sobre sua rotina, amigos e gostos. Isso acaba dificultando na busca e na investigação”, diz.

Segundo Adriane Siqueira Singh, em alguns casos o laço entre a família e a pessoa que ficou desaparecida fica ainda mais forte quando ela retorna ao lar.

“A volta gera uma reformulação no vinculo familiar, afinal é como se alguém tivesse perdido uma pessoa muito importante e ganhado de novo e por isso a relação fica ainda mais forte do que era”, diz.

Fonte: G1

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