Os acusados foram indiciados na Operação Garina, deflagrada em 2013, para apurar a existência de uma quadrilha especializada no envio de mulheres brasileiras a Angola, Portugal e África do Sul para se prostituírem. A sentença é do juiz federal Marcio Assad Guardia, da 8ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP.
Segundo o juiz, o crime de tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual foi revogado em 2016 com a publicação da Lei n.º 13.344, que agora prevê o crime chamado somente “tráfico de pessoas”. Guardia entende que se operou o abolitio criminis, que significa que a conduta que antes era considerada crime, não é mais.
Isso ocorre, em virtude de hoje ser necessária para o crime de tráfico de pessoas, a presença de grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso. Até então bastava o aliciamento. Segundo o artigo 2º do Código Penal, “ninguém será punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime”.
“O eventual aliciamento e promoção de saída de mulheres brasileiras do país para que viessem a exercer prostituição no exterior, com o fim de obter vantagem econômica, operou-se mediante livre, consciente e desembaraçada manifestação de vontade das mulheres adultas, maiores e capazes, que possuem o direito à livre disposição de sua liberdade sexual e que escolheram fazê-lo, com o objetivo de auferir vultuosas quantias em dinheiro”, afirma o juiz. Em média, as mulheres enviadas ganhavam cerca de 10 mil dólares por viagem.
O magistrado também refutou a possibilidade de que uma das mulheres teria ficado em cárcere privado, conforme constava na denúncia do Ministério Público Federal. “A despeito de todos os envolvidos estarem com seus telefones interceptados, não há sequer um diálogo em que qualquer das meninas tenha afirmado ou conversa em que haja qualquer remota menção séria e real no sentido de que se encontrava em situação assemelhada a cárcere privado”.
Guardia também entende que, com a vigência da Lei n.º 13.344, o consentimento da mulher nessas situações faz com que não haja crime, seja com relação ao tráfico de pessoas ou ao favorecimento da prostituição.
“É possível traçar uma linha divisória clara entre as graves condutas que devem ser prevenidas e reprimidas pelo Direito Penal e outras condutas que não se encontram no âmbito de atuação desse ramo do Direito, porquanto irrelevantes para o Direito Penal, haja vista que este não tem o escopo à mera tutela da moral e dos bons costumes […] O Direito Penal ocupa-se exclusivamente de condutas que malferem bens jurídicos fundamentais reconhecidos na Constituição Federal, de sorte que não lhe cabe tutelar valores morais, religiosos ou ideológicos”.
O juiz explica que a parte do Código Penal em que estão inseridos esses delitos chama-se “dos crimes contra a dignidade sexual”. E para ele, dignidade sexual – na condição de bem jurídico protegido pela norma penal – é a “vivência da sexualidade do indivíduo conforme sua própria orientação e vontade, manifestada de forma livre e desprovida de vícios que a contaminem”.
Por fim, Guardia lamenta todo esforço, tempo e verba gastos para apuração de uma ação sobre este tema. “In casu, a única vítima é o contribuinte brasileiro, que arcou com os custos de uma persecução penal vazia, inútil, desprovida de objeto penalmente relevante, com conteúdo puramente moral e ideológico, dispendendo recurso financeiros e provocando desperdício de tempo e trabalho do Poder Judiciário”. (FRC)
Processo n.º 0003031-36.2013.403.6181
Fonte: Jornal Dia Dia, com informações da Justiça Federal de 1º Grau em São Paulo.