Na segunda-feira (08/01), o Papa Francisco acolheu na Sala Régia, no Vaticano, os embaixadores acreditados juntos à Santa Sé para as felicitações de Ano Novo. A tradicional audiência é a ocasião para o Pontífice fazer um dos mais importantes discursos do ano, por tratar de temas de interesse global e internacional.
Francisco recordou as viagens realizadas em 2017 (Egito, Portugal, Colômbia, Mianmar e Bangladesh) e a recorrência este ano do centenário do fim da I Guerra Mundial. Segundo o Papa, deste evento podemos tirar duas lições.
A primeira: vencer nunca significa humilhar o adversário derrotado. “Não é a lei do medo que dissuade de futuras agressões”. A segunda: a paz consolida-se quando as nações podem se confrontar num clima de igualdade. “Premissa fundamental desta atitude é a afirmação da dignidade de toda a pessoa humana, cujo desprezo e desrespeito levam a atos de barbárie que ofendem a consciência da humanidade.”
Mas o discurso do Santo Padre foi mesmo dedicado aos 70 anos que a Declaração Universal dos Direitos do Homem completa em 2018.
“Na verdade, para a Santa Sé, falar de direitos humanos significa, antes de mais nada, repropor a centralidade da dignidade da pessoa, enquanto desejada e criada por Deus à sua imagem e semelhança.”
Uma visão redutiva da pessoa humana, recordou, abre o caminho à difusão da injustiça, da desigualdade social e da corrupção.
Todavia, o Papa afirma que a interpretação de alguns direitos foi sendo progressivamente modificada, a ponto de se incluir uma multiplicidade de “novos direitos”, com frequência contrapondo-se entre si.
“Consequentemente pode haver o risco de que, em nome dos próprios direitos humanos, se venham a instaurar formas modernas de colonização ideológica dos mais fortes e dos mais ricos em detrimento dos mais pobres e dos mais fracos.”
Setenta anos depois, o Santo Padre constata com pesar que muitos direitos fundamentais são violados ainda hoje, sendo o primeiro deles o direito à vida, à liberdade e à inviolabilidade de cada pessoa humana. A lesá-los, não são apenas a guerra ou a violência, mas há formas mais sutis: o descarte de crianças ainda antes de nascer e dos idosos; a violência sofrida pelas mulheres e pelas vítimas do tráfico de pessoas; e a falta de acesso à saúde.
Francisco recordou que a busca da paz supõe combater a injustiça e erradicar, de forma não violenta, as causas da discórdia que levam às guerras.
“A proliferação de armas agrava claramente as situações de conflito e implica enormes custos humanos e materiais, deteriorando assim o desenvolvimento e a busca duma paz duradoura”, disse o Papa, que manifestou sua satisfação com o resultado “histórico” alcançado no ano passado com a adoção do Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares.
Neste ponto do seu discurso, Francisco citou os conflitos em diversas partes do mundo: Coreia do Norte, Síria, Iraque, Iêmen, Afeganistão, Jerusalém, Venezuela, Sudão do Sul, República Democrática do Congo, Somália, Nigéria, República Centro-Africana e Ucrânia. E agradeceu aos países que oferecem acolhimento a quem foge desses mesmos conflitos: Jordânia, Líbano, Turquia, Itália, Grécia e Alemanha.
O Papa falou ainda da importância de se proteger a família, mesmo sendo considerada uma instituição superada em muitos países.
“Em vez da estabilidade dum projeto definitivo, preferem-se hoje ligações fugazes. (…) Por isso, considero urgente que se adotem políticas efetivas em apoio da família, da qual aliás depende o futuro e o desenvolvimento dos Estados. Sem ela, de fato, não se podem construir sociedades capazes de enfrentar os desafios do futuro.
Francisco citou o inverno demográfico e a situação de famílias dilaceradas por causa da pobreza, das guerras e das migrações.
Aos fluxos migratórios, aliás, o Pontífice dedicou amplos parágrafos do seu discurso, recordando que a liberdade de movimento pertence aos direitos humanos fundamentais.
“Por isso é necessário sair duma generalizada retórica sobre o assunto e partir da consideração essencial de que se encontram diante de nós, antes de mais nada, pessoas.”
O Papa mencionou sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano dedicada justamente ao migrantes e refugiados.
“Embora reconhecendo que nem todos estão sempre animados pelas melhores intenções, não se pode esquecer que a maior parte dos migrantes preferiria permanecer na sua própria terra, mas é forçada a deixá-la «por causa de discriminações, perseguições, pobreza e degradação ambiental”, disse Francisco, ressaltando a obrigação dos migrantes de obedeceram às leis dos países que os acolhem.
De modo especial, o Santo Padre mencionou sua última viagem internacional de 2017: “Conservo ainda vivo no coração o encontro que tive em Daca com alguns membros do povo rohingya e quero renovar os sentimentos de gratidão às Autoridades do Bangladesh pela assistência que lhes prestam no seu território”.
Francisco manifestou sua confiança em vista da adoção de dois Pactos Mundiais (Global Compacts) que serão debatidos este ano, respectivamente sobre os refugiados e para uma migração segura, ordenada e regular.
“A Santa Sé não pretende interferir nas decisões que competem aos Estados: a eles cabe – à luz das respectivas situações políticas, sociais e económicas, bem como das próprias capacidades e possibilidades de recepção e integração – a responsabilidade primeira do acolhimento. Mas ela considera que deve desempenhar um papel de «recordação» dos princípios de humanidade e fraternidade, que fundamentam toda a sociedade coesa e harmoniosa.”
O Papa falou ainda do direito à liberdade religiosa e do direito ao trabalho. “Não há paz nem desenvolvimento, se o homem está privado da possibilidade de contribuir pessoalmente para a edificação do bem comum.”
Sobre o aumento do número de crianças empregadas em atividades laborais e das vítimas das novas formas de escravidão, declarou: “Não se pode pensar em projetar um futuro melhor se se continua a manter modelos económicos orientados meramente para o lucro e a exploração dos mais fracos, como as crianças. Eliminar as causas estruturais de tal flagelo deveria ser uma prioridade de Governos e organizações internacionais.”
Depois de falar dos direitos, Francisco concluiu seu discurso com as obrigações de cada indivíduo para edificação do bem comum. Entre elas, destacou o dever de cuidar da natureza.
O Papa recordou as vítimas de terremotos e furacões no México, Caribe, Estados Unidos, Irã e Filipinas.
“As alterações climáticas, com o aumento global das temperaturas e os efeitos devastadores que isso comporta, são também consequência da ação do homem. Por conseguinte, é preciso enfrentar, com um esforço conjunto, a responsabilidade de deixar às gerações seguintes uma terra mais bela e habitável, esforçando-se, à luz dos compromissos concordados em Paris no ano de 2015, por reduzir as emissões de gás nocivas à atmosfera e prejudiciais para a saúde humana.”
Por fim, Francisco renovou a cada um dos embaixadores presentes, extensivo aos povos dos que representam, “votos de um ano rico de alegria, esperança e paz”.
A Santa Sé mantém relações diplomáticas com 185 países, entre os quais a Ordem Militar Soberana de Malta e a União Europeia. O último países a estabelecer relações foi o Mianmar, em maio de 2017.
Entre os embaixadores, 25 são mulheres. As chancelarias em Roma são 89. Em Roma se encontram também os escritórios de organismos internacionais acreditados junto à Santa Sé, que são a Liga dos Estados Árabes, a Organização Internacional das Migrações e o Acnur. As Chancelarias fora de Roma são 78.
Fonte: Rádio Vaticano