Paris, França. A recente revelação da venda de migrantes africanos na Líbia não é um caso isolado: mais de 40 milhões de pessoas no mundo, incluindo um quarto de crianças, vivem atualmente em regime de escravidão, segundo um estudo conduzido em 2016. A noção de escravidão moderna engloba o trabalho forçado, que afeta 25 milhões de pessoas, e o casamento forçado (15 milhões). Mas esses números são, sem dúvidas, subestimados, ressaltam a Organização Mundial do Trabalho (OIT), a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o grupo de defesa dos direitos humanos Walk Free Foundation, que realizaram o estudo em conjunto.
Cerca de 25 milhões de pessoas são trabalhadores forçados, principalmente em casas particulares (um quarto), mas também em fábricas, em construções, nos campos. O estudo cita o exemplo de 600 pescadores retidos em barcos em águas indonésias durante muitos anos.
Mais da metade desses escravos ficam detidos em razão de dívidas – é a chamada “servidão por dívida”. Mas também podem ser ligados a seus algozes porque são viciados, mal pagos, abusados fisicamente ou simplesmente porque estão muito longe de suas casas para fugir.
Entre os trabalhadores forçados, cerca de 5 milhões são forçados a se prostituir e um pouco mais de 4 milhões são vítimas de trabalho imposto pelo país, como trabalho obrigatório na prisão ou abuso de recrutamento.
Mulheres e meninas. Mulheres e meninas representam 71% dos escravos – quase 29 milhões de pessoas. Uma a cada quatro vítimas da escravidão moderna é criança, cerca de 10 milhões de indivíduos. Cerca de 15,4 milhões de pessoas são casadas contra sua vontade. Mais de um terço são menores de 18 anos e, nesses casos, são quase todas mulheres. Esta forma de escravidão é especialmente prevalente na África e na Ásia.
“Vários estudos estabeleceram claramente ligações entre migrações e o tráfico de seres humanos”, ressalta o estudo, que evoca as rotas percorridas pelos migrantes. Três quartos dos migrantes entrevistados em 2017 na rota entre a Líbia e a Europa, pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), disseram que foram vítimas de abusos compatíveis com tráfico humano.
“Os clandestinos, suscetíveis de serem vítimas de agressões, extorsões, abusos sexuais, podem, no início do percurso, decidir voluntariamente se colocam suas vidas nas mãos de traficantes”, aponta o estudo da OIT.
Apelo. O Conselho de Segurança da ONU aprovou resolução exortando todos os países a intensificarem o combate ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo. A resolução vem na esteira do vídeo divulgado pela rede de TV CNN mostrando a venda de migrantes africanos na Líbia. O vídeo desencadeou uma onda de protestos diante de embaixadas e nas redes sociais. A resolução pede a adoção de leis mais duras de combate ao tráfico e a intensificação de investigações.
Líbia
“Com exceção do cidadão comum, todo mundo sabia (da situação na Líbia). Os governantes, as organizações internacionais, os líderes políticos.”
Hamidou Anne
Senegalês, analista do think tank África de las Ideas
25 milhões de pessoas no mundo hoje são submetidas a trabalho escravo.
Desse total, 16 milhões estão no setor privado. O restante é obrigado pelo Estado a trabalhar.
O tráfico de pessoas é uma atividade criminosa que gera cerca de US$ 150 bilhões por ano, segundo a Organização das Nações Unidas.
No Brasil, o Ministério do Trabalho divulgou, em outubro, que 131 empregadores foram autuados por trabalho análogo à escravidão. Minas Gerais, com 42 autuados, é o Estado líder do ranking, seguido pelo Pará, com 16.
Nova regra continua suspensa
Uma portaria publicada no “Diário Oficial da União” em 16 de outubro deste ano flexibilizou a definição de trabalho escravo no Brasil e dificultou o trabalho de fiscais na autuação de flagrantes. Em 24 de outubro, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu uma decisão liminar, ou seja, provisória, suspendendo a norma, atendendo a um pedido da Rede. Ela continua sem validade até agora.
A edição da norma foi considerada um “afago” do presidente Michel Temer à bancara ruralista, que sempre defendeu regras mais brandas na fiscalização do trabalho escravo. Nesta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) defendeu que a portaria volte a valer. O texto é visto por seus críticos como um retrocesso no combate a esse tipo de crime. Agora, a CNI quer ingressar na ação da Rede, mas para pedir a validade da norma.
A entidade critica a avaliação feita pela Rede de que a portaria foi um concessão do governo à bancada ruralista na Câmara, como forma de obter os votos desses deputados contra a autorização para prosseguimento da denúncia feita pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra Temer.
A entidade argumenta que as regras anteriores eram falhas, vagas e pouco objetivas, e que a nova portaria veio corrigir os problemas, dando maios segurança jurídica.
BH lidera
Análogo à escravidão. Belo Horizonte é cidade que tem mais empregadores na lista suja divulgada pelo governo em outubro: quatro da construção e mercado imobiliário e um, de restaurantes.
Fonte: O tempo