Segundo Marianne Pecassou, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, esse pesar é agravado pela burocracia a que se submetem nos órgãos de busca e de assistência social. Ela afirma que as famílias têm necessidades específicas, que vão desde o apoio econômico, psicológico e psicossocial até a elaboração de roteiros para buscar os desaparecidos.
— Enquanto essas necessidades não forem satisfeitas, as famílias muito dificilmente conseguirão reconstruir suas vidas — declarou Marianne.
Uma pesquisa encomendada pela Cruz Vermelha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que o número de notificações de desaparecidos em 2016 foi de 71,8 mil. Em dez anos, de acordo com os registros policiais, foram mais de 693 mil pessoas desaparecidas. No entanto, esses números estão desatualizados, já que o levantamento de 2016 não contabilizou dados de cinco estados, porque eles não repassaram esses registros.
Os dados são preocupantes, segundo Marianne, porque são apenas indicativos e não contemplam a real situação.
— É muito difícil ter números exatos, até porque eles não indicam quantas pessoas reaparecem — ponderou.
Os dados do Fórum de Segurança Pública refletem parcialmente o problema. Segundo os especialistas, um dos motivos é o fato de que os familiares não sabem claramente a quem procurar para relatar os desaparecimentos.
Causas
As causas do desaparecimento de pessoas são muitas: fuga do lar em função de conflitos familiares, transtornos mentais, depressão, violência, alcoolismo, uso de drogas. É o que diz o chefe da Seção de Localização de Pessoas Desaparecidas da Polícia Civil do Distrito Federal, Reinaldo Miranda.
— As causas são muitas, mas no Distrito Federal o número de adolescentes que fogem devido a conflitos em casa é muito alto.
Para a Organização das Nações Unidas (ONU), quanto mais tempo a pessoa permanece desaparecida, mais vulnerável se torna, correndo risco de exploração ou de abusos. E isso se agrava quando se trata de crianças ou adolescentes.
A Lei 11.259/2005 determina a investigação policial imediata em casos de desaparecimento em qualquer idade. Essa inovação tornou mais célere a busca. Anteriormente, o comum era esperar entre 24 e 48 horas após o desaparecimento para que se iniciassem as buscas. Esse procedimento se mostrou ineficaz porque ficou comprovado que, quanto maior o tempo que a pessoa fica desaparecida, maior é a dificuldade para encontrá-la.
No caso de menores, existe uma norma expressa do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que diz que, após a notificação, deverá ser emitido um alerta a portos, aeroportos, polícia rodoviária e companhias de transporte interestaduais e internacionais, com todos os dados necessários à identificação do desaparecido. Caso a polícia se recuse a registrar o boletim de ocorrência, o Ministério Público deve ser comunicado, e a violação ao direito também pode ser informada ao Disque Direitos Humanos (telefone 100).
Experiência
Drama assim viveu a moradora do Distrito Federal Vanuza Cruz da Silva. Ela relata que não recebeu atendimento adequado ao tentar registrar na delegacia o sumiço do irmão de 13 anos. Segundo Vanuza, o policial de plantão informou que não havia nada a ser feito e que a solução seria aguardar.
— Eu me sentia impotente diante de toda essa situação e só pensava em quem poderia me ajudar. A dor do desaparecimento é enorme — contou.
O fato ocorreu em julho. Vanuza relatou que o jovem foi encontrado em um shopping da cidade, após ela fazer buscas por conta própria durante três semanas.
A assistente social do Centro de Referência Especializado de Assistência Social, Estela Argolo, lembra que a exata compreensão dos papéis e responsabilidades de todas as partes envolvidas ajuda a guiar os pais e a sociedade nos casos de desaparecimento.
Em 2009, o governo federal criou o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, com a proposta de montar um banco de dados seguro, capaz de auxiliar na difusão de informações e no esclarecimento dos casos. Em 2013, o cadastro passou por uma reformulação, mas a nova versão ainda não conseguiu se consolidar.
Marianne Pecassou lembrou que um dos maiores problemas é a falta de articulação entre as instituições. Cada uma tem sua própria ferramenta e isso traz dificuldades para o sucesso na busca desses indivíduos desaparecidos.
— O Brasil é gigante, com vários estados, e cada um tem a sua própria legislação e a sua maneira de tratar os problemas. Então, se faz necessário um grande esforço de articulação e coordenação entre todos esses atores — explicou.
Novo cadastro
A Câmara dos Deputados aprovou a criação da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, com previsão de ações articuladas e a reformulação do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas. Agora esse projeto (PLC 144/2017) está em análise na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado.
O cadastro contará com três bancos de dados: para informações públicas, de livre acesso por meio da internet; para informações sigilosas acrescidas de detalhes sobre o trâmite das ocorrências e dos inquéritos, além de contatos dos familiares ou responsáveis; e para informações sigilosas, destinado aos órgãos de segurança pública.
Outro projeto em análise na CDH é o PLS 44/2016, de Cristovam Buarque (PPS-DF), que determina a divulgação na TV das informações do Cadastro Nacional de Desaparecidos. O texto propõe a inserção de fotos de desaparecidos, diariamente, nos intervalos da programação das emissoras entre 18h e 22h.
— Quando aparecem em programas de televisão reportagens sobre crianças desaparecidas e é colocado o retrato delas, logo começam a ser mostrados reencontros dessas famílias — diz o senador.
O policial Reinaldo Miranda concorda. Segundo ele, todos os episódios de difícil solução que tiveram o apoio da mídia foram solucionados.
O PLS 302/2014, do ex-senador Jayme Campos, torna obrigatória a coleta das impressões digitais em todos os casos de mortes violentas ou suspeitas. O objetivo é reduzir o índice de pessoas enterradas como indigentes.
Fonte: Senado Notícias