Quarta, 18 Outubro 2017

Cegos, surdos e cúmplices com o tráfico de mulheres

No Dia Europeu de Combate ao Tráfico de Seres Humanos estreia no Armazém 22, em Vila Nova de Gaia, a peça de teatro documental “Mulheres-Tráfico”, como forma de alertar para uma silenciada forma de escravatura.

Esta quarta-feira assinala-se o Dia Europeu de Combate ao Trafico de Seres Humanos, lançado pela Comissão Europeia em 2007. Nesse âmbito, é estreada no Armazém 22, pelas 21h30, em Vila Nova de Gaia, a peça “Mulheres-Tráfico”, um trabalho documental a partir de relatos verídicos.

Com encenação de Manuel Tur, é o resultado de uma coprodução entre a companhia teatral A Turma e o projeto “Agir Contra o Tráfico de Mulheres” (ACT), dinamizado pelo Movimento Democrático de Mulheres, criado em 1968 para a luta da dignidade e emancipação feminina. “Desocultar, informar, sensibilizar, conhecer, debater e agir em relação a esta escravatura dos tempos modernos” são as matrizes do projeto ACT, explica ao Expresso a coordenadora Olga Dias. Estes casos acontecem, refere a responsável pelo projeto, “com pessoas, que em busca de uma vida melhor são iludidas, traídas, transformadas numa mercadoria descartável, privadas da sua liberdade, sujeitas a todo o tipo de violências e tortura”.

Ouvir falar de tráfico não é algo incomum na sociedade contemporânea. Drogas, armas ou influências. São temas recorrentes. O mesmo não acontece com Tráfico de Seres Humanos (TSH), um tema ainda ignorado ou desconhecido socialmente.

Trata-se de um negócio ilícito e extremamente rentável – até mesmo para financiar vários jornais, em troca de publicidade – e com ramificações em grandes cidades de todo o mundo. De acordo com dados da ONU, entre 2012 e 2014, foram sinalizadas 63,2 mil pessoas, em 106 países, como vítimas de tráfico. Na Europa, mais de 76% das vítimas são do sexo feminino e 15% crianças, maioritariamente para fins sexuais.

Portugal é um dos países de origem, trânsito e destino de TSH e o Observatório de Tráfico de Seres Humanos identificou 264 ocorrências em 2016, o que constitui um aumento de 36,8% face ao ano anterior. A realidade é aterradora e os números não se aproximam da verdadeira dimensão do problema, pois muitos dos casos nunca chegam a ser reportados, porque as vítimas evitam exposição, com medo de represálias.

O tráfico para exploração sexual afeta, sobretudo, mulheres e meninas, “arrancadas do presente para um futuro de prostituição, violência e não poucas vezes de morte”, frisa Olga Dias. As que sobrevivem carregam cicatrizes físicas e psicológicas para toda a vida. “A realidade demonstra que muitas das mulheres traficadas para prostituição sofrem do Síndrome de Stress Pós-Traumático equivalente às vítimas de tortura e em situações de guerra”, acrescenta a ativista.

UMA PEDRA DE ARREMESSO CONTRA A INDIFERENÇA E O SILÊNCIO
11 mulheres, 12 cadeiras, umas folhas de papel e umas garrafas de água. Não há personagens. São atrizes anónimas que relatam situações que bem poderiam ser as suas, a de alguém próximo ou da vizinha do lado. 

Assim se poderia descrever a peça “Mulheres-Tráfico”, passível de ser apresentada num aeroporto, num café ou numa escola. O trabalho documental, bastante minimalista e cru na abordagem, dirigido por Manuel Tur e com um elenco de 11 atrizes (profissionais e estudantes de teatro, entre os 16 e os 31 anos) tem por base depoimentos e dados recolhidos por organizações como a ONU e a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.

O encenador de “Mulheres-Tráfico, por sua vez, prefere chamar-lhe “objeto de promoção de pensamento”, ao invés de o considerar um espetáculo, no qual teve o cuidado de que “a realidade destas vítimas não fosse camuflada numa ficção”. Para Manuel Tur, a principal dificuldade prendeu-se com “encontrar o tom certo”, por se tratar de um trabalho “bastante traiçoeiro”, sem a pretensão de ser “demasiado teatral”. De forma resumida, o encenador de 32 anos adjetiva a peça como “uma pedra de arremesso” ou um “alerta gigante”, onde o desafio passa por “não ultrapassar barreiras éticas, sem, no entanto, ser displicentes ou complacentes” com a realidade daquelas mulheres.

“Temos a consciência de estar a abordar um tema perigoso, porque envolve muito dinheiro. Estamos a falar do terceiro negócio mais rentável, depois da droga e das armas”, nota Manuel Tur, da companhia A Turma.

Em relação a este projeto, o responsável artístico assume ter uma dualidade de sensações bastante intensas. “Gosto imenso deste trabalho e ao mesmo tempo não tenho qualquer orgulho. Leio e ouço estes relatos há imenso tempo, mas não há uma única vez em que eu não acabe incomodado e com vontade de suprimir uma ou outra história, porque me é dolorosa”, conta em conversa com o Expresso, acompanhado pela atriz Sara Barros Leitão.

“TODOS SOMOS CÚMPLICES”
Na opinião da atriz, “todos somos cúmplices e responsáveis” por este crime humanitário. “A sociedade tem de agir e desmistificar. Tem de passar a ser um assunto, de forma a podermos trabalhar para uma resolução. Enquanto o sexo continuar a ser um tabu, isto não tem fim”, afirma Sara Barros Leitão.

“Estamos a caminhar, enquanto sociedade, para uma enorme insensibilidade e isso é muito perigoso”, acrescenta, sensibilizada pelos relatos altamente pormenorizados. “Sentimos tudo aquilo no nosso próprio corpo”, conta a jovem intérprete de 27 anos. “O facto de poder acontecer a nós é assustador”, complementa.

“Mulheres-Tráfico” tem esta quarta-feira à noite, pelas 21h30, uma apresentação única, mas Manuel Tur avança que será debatida com o MDM, responsável pelo projeto Agir Contra o Tráfico de Mulheres, a possibilidade de fazer a peça circular até ouras salas ou espaços menos convencionais.

O projeto ACT tem o apoio da Comissão para a Igualdade de Género. Iniciou a sua atividade em janeiro deste ano e vai prolongar-se até junho de 2018, nos distritos do Porto e Braga. São desenvolvidas campanhas de sensibilização, workshops, debates e ações também na área das artes: teatro, cinema e exposições, destinados ao publico em geral, mas com acentuada relevância para grupos especialmente vulneráveis, como mulheres, imigrantes e jovens. 

Fonte: Expresso 

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