Terça, 07 Fevereiro 2017

"As mães de crianças desaparecidas se culpam e são muito julgadas"

Sandra Rodrigues de Oliveira, psicóloga, autora de dissertação de mestrado pela PUC-Rio sobre o luto das mães com filhos desaparecidos

O primeiro contato que a psicóloga Sandra Rodrigues de Oliveira teve com o desaparecimento foi em 2004, quando atendeu uma mãe com o filho desaparecido há muitos anos. Procurou saber mais sobre o assunto, e a escassez de estudos a motivou a produzir uma dissertação de mestrado na PUC-Rio, em que ouviu cerca de 30 mães com filhos sumidos. Hoje terapeuta de família no Rio, Sandra conversou com ZH:

Como as mães descrevem a dor do desaparecimento?


Logo que a criança desaparece, você passa por um processo bastante comum no luto, que é negar a realidade da perda. Pensa que a ausência é temporária, que a criança vai aparecer, que está na casa de algum amigo ou parente. Quando você começa a perceber que essa situação está perdurando, no primeiro ou no segundo dia, e reporta o desaparecimento, vem a mistura de um desespero grande, porque você se sente completamente impotente, com a culpa. Elas se culpam muito. Quando a criança desaparece, elas se questionam: "Será que eu fiz direito?", "Será que eu realmente não poderia estar mais perto dos meus filhos?", "Será que, se eu estivesse em casa, isso teria acontecido?". Entram em uma espiral de questionamentos que são muito difíceis de serem respondidos, porque você não tem como voltar no tempo e refazer uma história. Ao mesmo tempo, além do desespero e da culpa, elas apresentam um movimento de fé. Não necessariamente uma fé religiosa, mas uma fé de que aquilo vai se resolver.

Essa fé motiva a busca?


Sim, porque elas acreditam que, com luta e movimento, aquilo pode ser diferente. As mães se engajam, vão buscar, divulgam fotos e telefones.

Só que, com isso, ocorrem trotes, notícias falsas.


É muito comum elas verificarem e não ser verdade. E, às vezes, os trotes são maldosos, feitos realmente para machucar, como ligações com voz de criança. Como elas estão suscetíveis a acreditar que estão no caminho certo, na esperança de que apareça algo novo, isso causa muita dor. Ao mesmo tempo, a ambiguidade é tão grande que, conforme o tempo vai passando e essas ligações vão diminuindo, elas têm menos denúncias e vão ficando mais desesperadas, porque não sabem nem mais onde procurar. Então, elas procuram sinais, até rostos na multidão. Às vezes, olham pessoas com idades que os filhos teriam e pensam: "Será que não é minha filha? É tão parecida". Elas chegam a abordar adolescentes na rua: "Você está com a sua mãe? Quem é a sua mãe?", e eles ficam assustados com esse tipo de abordagem.

As mulheres entrevistadas por você foram julgadas pelo desaparecimento?


Muito. Receberam críticas como se tivessem abandonado as crianças, como se fossem relapsas ou negligentes. Elas já estavam em um sofrimento grande e tiveram que ouvir até de pessoas envolvidas no processo de busca do filho que foram elas que causaram aquilo. Outras pessoas perguntaram se elas já tinham batido nas crianças. Há um julgamento forte sobre o que é ser uma boa mãe, como se o desaparecimento de crianças estivesse automaticamente associado a um não cuidado.

Como elas relataram o atendimento da polícia?


As mães sentem que os casos não são levados a sério pela polícia. Porque, apesar de todas terem feito boletins de ocorrência, o que foi efetivamente investigado, para elas, foi muito pouco. Eram elas que recebiam denúncias anônimas, porque divulgavam seus telefones. Sentem revolta, abandono e descaso.

Como lidam com a possibilidade de o filho estar morto?


Da grande maioria das mães de crianças desaparecidas você vai ouvir essa frase: "Olha, eu sei que isso é uma possibilidade, mas eu prefiro acreditar que ele ainda está vivo". O pensamento de que o filho pode estar morto até aparece, mas é rapidamente substituído pelo movimento de: "Eu tenho que acreditar". Porque se você não acreditar, e isso é uma fala delas, parece que você desistiu. E desistir de um filho vai contra a ideia de maternidade. Então, em geral, elas criam hipóteses, constroem histórias: "Pegaram meu filho porque não podiam ter filhos", ou "Está sendo criado por outra família" até "Foi levado para o trabalho escravo" ou "Está sendo usando para a prostituição". Era preferível criar uma história em que seu filho poderia estar em uma situação de abuso a imaginar que estava morto.

 

Na dissertação, você diz que essas mães sofrem de um "luto ambíguo". O que é esse conceito?


O luto ambíguo ocorre tanto em casos de desaparecimento como em casos de quadros demenciais. Porque, quando você tem um parente desaparecido, aquela pessoa não está ali fisicamente, mas sua presença emocional é fortíssima. E, nos casos de quadro demencial, como Alzheimer, a pessoa está ali fisicamente, mas não é mais aquela pessoa que você conhece. Você não consegue lidar com a perda porque ela não fecha, tem algo que a mantém aberta.

Faz parte desse luto ambíguo deixar os quartos intactos, guardar brinquedos e roupas?


Manter o quarto, botar um prato a mais na mesa, comprar presente de aniversário ou comprar roupas do tamanho que acha que o filho está vestindo fazem parte de um ritual de acreditar que o filho voltará. Há mulheres que tinham dificuldade de pagar contas básicas, mas não deixavam de pagar contas de telefone, porque as crianças sabiam o número de casa. O falecimento de uma criança é doloroso, mas é palpável. Você pode velar e enterrar. No caso do desaparecimento, não tem nenhum tipo de ritual.

A vida das mães entra em uma espécie de pausa. Quais as consequências dessa pausa?


Muitas delas perderam o trabalho, porque ficaram completamente envoltas na busca. Outras até conseguiam manter o padrão de vida, mas sempre com conflitos dentro da própria casa, com outros filhos ficando de lado. Várias se separaram dos maridos porque as opiniões divergiam. Às vezes, a mulher queria ser mais ativa na busca, mas os homens tinham uma postura contrária: "A gente não vai conseguir achar", "A gente não tem recurso" ou "A gente precisa seguir nossa vida, temos outros filhos para cuidar". E elas não aceitavam isso. Em outros casos, os maridos eram muito engajados, mas o casamento não suportou o desaparecimento.

Além das consequências sociais, é comum surgirem quadros depressivos ou outras doenças?


Como eu mantive contato com elas ao longo dos anos, depois da dissertação, posso dizer que sim. É possível que o desaparecimento de um filho leve ao desenvolvimento de um quadro de depressão ou ao abuso de substância que pode desencadear para quadro psicótico. Outras passaram a abusar de remédios para dormir. Algumas tiveram problemas de saúde que associavam ao desaparecimento.

Qual a conclusão da sua pesquisa?


Não existe uma rede de atendimento. Você tem vários avanços tecnológicos em várias áreas, como o recurso de envelhecimento de fotos, mas eles acabam sendo subutilizados porque não há investimento. E, se não há interesse político e social para que esse tipo de programa de desenvolva, você vai ter muito menos localização de pessoas do que poderia ter.

Por que a pesquisa não incluiu os pais?


Em geral, as mães encabeçam o processo de reportar desaparecimento e ir em busca dos fatos. Você vê, em alguns Estados, muitas famílias monoparentais, só de mães, com crianças que sequer tinham contato com o pai. Aqui no Rio, isso era expressivo. Às vezes, os homens tinham morrido e as mulheres ficaram sozinhas, principalmente em comunidades de baixa renda. Há também a diferença do processo de luto: as mulheres abandonavam os empregos, e os pais ficavam responsáveis por dar suporte financeiro para que elas fizessem a busca. É difícil fazer uma avaliação de que os pais não buscam porque não querem ou porque há uma cobrança social em cima da mulher. Então, não é que eles sejam ausentes em todos os casos, eles ficam em segundo plano, o que também é muito ruim para eles.

Fonte: ZHNOTÍCIAS

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