Terça, 13 Dezembro 2016

Carta Aberta sobre escalpelamento


O Centro de Voluntariado da Amazônia divulgou documento “Carta Aberta as Acadêmicas de Direito e Advogadas do Brasil” com o objetivo de chamar atenção para para as vítimas de escalpelamento da Região Norte. O documento, assinado pelo coordenador Claudio Cavalcante da Silva, clama por uma ajuda na prevenção, localização e encaminhamento para cirurgias plásticas reparadoras em acidentadas causado por eixo de motor de barco na Amazônia e no Brasil.

CARTA ABERTA ÁS ACADÊMICAS DE DIREITO E ADVOGADAS DO BRASIL

Direitos humanos para as crianças escalpeladas da Amazônia Escrevo este texto com a esperança de que a nova geração de advogadas conheçam e entendam o que ocorre com meninas e mulheres na região amazônica e deem continuidade a um trabalho que fazemos para a prevenção, localização e encaminhamento para cirurgias plásticas reparadoras em acidentadas causado por eixo de motor de barco na Amazônia e no Brasil. Quando iniciamos nossa jornada na busca da melhoria na qualidade de vida das mulheres da Amazônia pensávamos em algo simples, mesmo despretensioso, nunca poderíamos imaginar que enfrentar os agentes causadores de mutilações sofridas por meninas e mulheres chega-se tão longe como chegou. Chegando perto de minhas cinquenta primaveras confesso que gostaria muito que a nova e a atual geração advogadas adotassem nossa causa e dessem continuidade aos nossos vinte anos em defesa dos Direitos Humanos com o Centro de voluntariado da Amazônia e, isso não é difícil, basta ter fé, boa vontade e se sensibilizar com a realidade das camadas mais pobres de nossa sociedade, notadamente as meninas e mulheres ribeirinhas do extremo norte da região amazônica. Por volta da década de 60, no Arquipélago de Marajó, um voluntário de nome Franklin inicio a sua jornada na busca da garantia de direitos da população do município de Chaves-P​A​.

Os anos se passaram, e ele viajou para Belém do Pará para cursar Direito na Universidade Federal do Estado do Pará-UFPa, formou-se e logo foi chamado para o Conselho Regional de engenharia, arquitetura e Agronomia-CREA-Pa, onde trabalha até hoje. Esse voluntário nato, gerou outro voluntário de nome Claudio que desde a tenra idade demonstrava com gestos, raramente com palavras, o caminho para a luta pelos Direitos Humanos descritos na Constituição Federal Brasileira e nos Tratados internacionais de Direitos Humanos. Os anos se passaram, o filho do voluntário cresceu e, em 1996, na cidade de Soure, no arquipélago de Marajó-Pa, iniciou sua jornada pela criação e organização de um centro de voluntariado na Amazônia para fazer frente aos baixos Índices de Desenvolvimento Humano Municipal(IDHM) (PNUD) recorentes na região, quer seja pela cobiça internacional de suas riquezas naturais e que quase sempre relega os descendentes dos índios Aruã a segundo plano. Começamos com gestos pequenos, quase insignificantes aos olhos de quem estava de fora, porém com uma energia e motivação que talvez só se viu naqueles sete povos indígenas que se uniram a Padre Antônio Vieira, no que se chamou o tratado do Estreito de Breves-PA, para defender a foz do rio Amazônas contra os holandeses, ingleses e outros pretensos colonizadores. Diziam os missionários “um índio marajoara valia por dez soldados portugueses”. A premissa básica do Centro de Voluntariado da Amazônia de ser gratuito e totalmente livre de ligações político partidárias, religiosas e mobilizar as pessoas para doar parte de seu tempo para a garantia de Direitos Humanos de quem não tem quase nada não nos esmoreceu, pelo contrário, era uma aventura quase igual a de Cervantes em Dom Quixote, mais isso nos impulsionava para frene e ainda nos motiva até hoje. Em 1997, em uma tarde chuvosa, na sala do departamento jurídico do CREA-PA, escrevemos a quatro mãos com o advogado Franklin Rabêlo da Silva um texto que nos guiaria em nossa jornada pela garantia dos Direitos Humanos e pela proteção do meio ambiente na Amazônia, esse texto é, sem sombra de dúvida uma possível solução para os conflitos que acontence na atualidade e que acontecerão em breve por conta das reservas de água doce da região. Vejamos o texto: “A exclusão em todos os seus aspectos econômicos, sociais e culturais é um freio do crescimento de uma sociedade. O que podemos esperar da falta de inclusão economico-social e cultural de nosso País, se não a proliferação do atraso no desenvolvimento e suas consequências já conhecidas, tais como: a miséria globalizada gerada pelo desemprego e a incerteza, que alimentam o desnorteamento da pessoa humana que é levada a enveredar por caminhos nocivos a sí mesmo e à sociedade em geral. Diante dessa visão, projetamos caminhos e possibilidades de minimizar os efeitos nefastos desse desajuste social. O crescimento econômico e a valorização socio-cultural grupal será a resposta que a nós parece viável, para a solução de todos os problemas e a minimização do sofrimento das classes menos favorecidas. A idéia de voluntariado na Amazônia é, ao nosso ver promissora, em especial no campo da valorização pelo sentimento coletivo de ação, na busca de caminhos associativos para o encontro de uma nova realidade, e de uma nova sociedade da qual sejamos todos construtores com a força da solidariedade na busca da paz, que edifica um mundo mais justo.

O exemplo que nos vem do Continente Europeu, principalmente, é a grande luz que nos leva a acreditar que a ideia de voluntariado, embora não tão nova, mas que ressurge agora com força revitalizadora de antigas idéias, que tem como expoente máximo a doutrina social cristã e passa pelos movimentos cooperativos que acalentaram o mundo, desde 1844 em Manchester, cidade da Inglaterra onde surgiu a primeira instituição deste gênero. Os efeitos das organizações humanitárias durante a Segunda Guerra Mundial e nos pós-guerra, destacando-se a Cruz Vermelha Internacional e os movimentos de solidariedade das organizações religiosas, provam que o voluntariado é uma força extraordinária que deve ser levada em conta na busca de um mundo mais justo, que alcance principalmente a gerações do futuro, bem como a do presente, eliminando-se os efeitos perversos da marginalização da pessoa humana, que degrada a todos sem exceção. O avanço da violência que atinge a todos, indiscriminadamente, deve ser uma preocupação continuada, e a mudança desse panorama aterrador poderá ser conseguida com a união de todos numa ação voluntária dirigida, coordenada bem como tendo o apoio de instituições governamentais ou privadas, isto porque a violência e marginalização não interessa a maioria, mas talvez a uma minoria, que se nutre dos efeitos maléficos desse descontrole social. Em resumo, estas idéias acalentam um pensamento que poderá produzir resultados altamente promissores à Amazônia, com a sua imensa área de riquezas das mais diversas, onde destaca-se a biodiversidade. O ecossistema não deve permanecer sendo monitorado somente por forças ou organizações que nem sempre tem ações claras e transparentes para o interesse da sociedade brasileira e amazonida.

As últimas conquistas científicas no campo das ciências médicas e farmacêuticas, apontam para a nossa região como o maior banco de germoplasma do planeta e como uma das últimas fronteiras naturais do globo terrestre. Esta consciência nos leva a construir a imagem de navegantes deste planeta água, que tem poucos salva-vidas disponíveis no caso de naufrágio, estes salva-vidas representam as potencialidades de riquezas naturais que ainda possuímos, mas que em grande parte vêm sendo atacada de forma irresponsável por forças sem muita vinculação com a causa da Amazônia e do Brasil. A maravilha da comunicação moderna e a consciência que ela nos trás, não nos permite o estado de inércia diante de tantos desafios. É com esta visão que somos levados a acreditar que a ação voluntária em busca da paz e da igualdade entre os homens, a defesa do meio ambiente, a proteção da vida na terra, a defesa dos valores éticos e culturais, como quer a Constituição Federal Brasileira, é que proclamamos à todos os homens livres e comprometidos com esta ética universal a unirem-se em defesa da vida e dos valores inerentes a pessoa humana. A formação, valorização, encaminhamento e suporte ao voluntariado da Amazônia em busca destes objetivos fundamentais, em defesa dos valores legalmente protegidos, são nossos objetivos. Finalmente, acreditamos que esta mensagem possa ser entendida e acatada por todos e confiamos concretamente que agora iniciamos a caminhada na estrada do crescimento econômico, social e cultural acelerando o acesso à cidadania e em defesa do bem comum na construção de uma nova humanidade, pelo menos, na Amazônia, a última fronteira onde a vida ainda pode respirar em sua plenitude.” Com esse texto nossa imaginação “tomou asas”, mas falar em direitos humanos na década de noventa era quase uma heresia, e até mesmo perigoso, já que um voluntário chamado Chico Mendes tinha pagado com a própria vida, sendo alvejado em Xapuri-AC em 22 de dezembro 1988 e depois com lágrimas nos olhos recebemos a notícia de outra perda irreparável da voluntária pelos Direitos Humanos Dorothy Mae Stang, a querida Irmã Dorothy assassinada em Anapú-P​A​ em 12 de fevereiro de 2005 só para falar dos de repercussão internacional mas podemos falar também no massacre de Eldorado dos Carajás-Pa e tantos outros anônimos que sabemos nem chegam ao noticiário e pagaram com a própria vida pelos direitos humanos na região. Aquela vontade de praticar e defender Direitos foi crescendo, criando raiz, e em 2003 nos desligamos de quase tudo, família, trabalho, estudo para nos dedicar exclusivamente ao trabalho voluntário. Com o apoio de familiares viajamos de Belém do Pará para a cidade de Macapá-Ap onde ficamos hospedados na casa de um primo chamado Miguel. Nosso primo era casado com um ser humano excepcional chamado MARA que insistiu por muitos meses para que conhecêssemos uma Cirurgiã Plástica, de nome Zeneide, que nos abriu um universo de possibilidades na busca de Direitos Humanos para as meninas e mulheres escalpeladas por eixo de motores de barcos usados como principal meio de transporte na Amazônia. Dra. Zeneide já cuidava de escalpeladas desde 1982, quando retornou do Rio de Janeiro com a especialização em cirurgia plástica, e também fazia campanhas de prevenção em um programa de rádio chamado “Pai velho pai dégua” dos saudosos Osmar melo e Hermínio Gurgel (in memoriam).

Tudo conspirou para que nos uníssemos na busca dos direitos humanos dessas crianças e mulheres esquecidas pela sociedade e até hoje estamos juntos nesse sonho. Com o apoio de Dra. Zeneide, iniciamos uma verdadeira “cruzada” visitando mais de 150 empresas, igrejas, associações, escolas, universidades, órgãos governamentais, imprensa na busca de parcerias com o braço forte da lei 9.608/98. Cento e trinta parcerias foram firmadas e entre 2003 e 2007 fizemos intensivas campanhas de prevenção, localização e encaminhamento a cirurgias reparadoras nesses seres humanos vítimas da cruel e desumana indiferença da sociedade e dos governos. Em 2007 zeramos os acidentes que davam entrada no Pronto Socorro de Macapá-AP, na época Dra. Zeneide operava 13 (treze) crianças e mulheres por ano, vale reiterar que não recebemos nenhuma doação financeira de qualquer espécie de governo, prefeitura ou empresas, todo o trabalhado foi feito com voluntários(as). Baseado na mobilização iniciada por Dra. Zeneide em 1982 e potencializada por nós desde 1996 chamamos a atenção de pessoas como a Dra. Luciene Estrada da Defensoria Pública da União que criou uma força tarefa para que essa tragédia com a mulher da Amazônia fosse minimizada, ficamos de longe observando o trabalho de Dra. Luciene, o recebimento do prêmio Innovare pelos seu empenho no amparo do resgate da dignidade da pessoa humana dessas vítimas de escalpelamento. Não aceitamos o convite de Dra. Luciene pois sabíamos que grupos políticos partidários da Amazônia já estavam atentos para usar essa tragédia do escalpelamento como trampolim político e de desvio de dinheiro público, como realmente aconteceu com a injeção de R$ 1.000.000,00 (UM BILHÃO DE REAIS), para combater escalpelamento e outras mazelas com o público feminino, na Secretaria da Mulher do Estado do Amapá, oriundos da Secretaria Especial da Mulher da Presidência da República. Entre as 130(cento e trinta) instituições apoiadoras de nosso trabalho, uma em especial guardaremos eternamente em nossos corações

A JUSTIÇA FEDERAL DO AMAPÁ, a época dirigida pelo dinâmico Dr. Anselmo, que não mediu esforços para nos apoiar no amparo ás vítimas e nas campanhas de prevenção. O ponto alto de nossa parceria foi a possibilidade de nós ministrarmos palestra ao Presidente do Supremo Tribunal Federal - STF Ministro Gilmar Mendes na ocasião da casa de justiça e solidariedade do Conselho Nacional de Justiça - CNJ; Durante 10(dez) minutos de palestras expusemos um resumo de acidentes por escalpelamento que vinham ocorrendo desde 1960 no delta do rio Amazonas e em outras localidade da Amazônia. Para nossa surpresa Dr. Gilmar Mendes não sabia que existia escalpelamento de crianças no Brasil e nos deu a oportunidade de em reservado lhe fazer o seguinte pedido: MINISTRO, PEÇO AO SR. QUE REFLITA SOBRE ESSE ABSURDO CONTRA A DIGNIDADE DESSAS CRIANÇAS. A RESPONSABILIDADE É DO JUDICIÁRIO, NÃO PODEMOS MAIS ACEITAR ISSO COMO UMA COISA NATURAL, EM NENHUM OUTRO LUGAR DO MUNDO SE ESCALPELOU TREZENTAS CRIANÇAS E MULHERES, ISSO SÓ VEM OCORRENDO NA AMAZÔNIA E NO AMAPÁ. AQUI NO ESTADO TEMOS O PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL, UMA EMPRESA DO SR. EIKE BATISTA E UM PIB ESTADUAL ORIUNDO 70% DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS-FPM E ISSO NÃO É O SUFICIENTE PARA QUE ALGUMA PROVIDENCIA SEJA TOMADA. MINISTRO NÃO DEIXE QUE ESSAS CRIANÇAS SOFRAM MAIS, POR FAVOR, TOME UMA PROVIDÊNCIA!. NO MESMO MOMENTO ENTREGUEI A ELE UM DVD COM UM DEPOIMENTO DO CIRURGIÃ PLÁSTICO DR. IVO PITANGUY QUE ABRAÇOU SEM RESERVAS A CAUSA DO VOLUNTARIADO DA AMAZÔNIA (https://www.youtube.com/watch?v=gpMh5w9ShN8)

Baseado em nosso trabalho foi criado uma lei federal número 11.970 de 06/07/2009 para tornar obrigatório o uso de proteção no motor, eixo e partes móveis das embarcações, Porém isso não está sendo suficiente já que os escalpelamentos continuam e segundo a marinha já passam de centenas de casos, muitos dos quais operados pela cirurgiã plástica Dra. Zeneide Alves de Souza desde 1982. Não acreditávamos e nem acreditamos que a criação de leis irá resolver o problema das escalpeladas, afirmamos sempre que por se tratar de uma mudança cultural é fundamental que voluntários de todo o país se unam a nós para a PREVENÇÃO PELA EDUCAÇÃO e da criação de um projeto de lei de iniciativa popular, no qual já temos mais de mil assinaturas, para incluir nas escolas e universidades a disciplina prevenção com grade curricular regionalizada.(www.sugestaoparapauta.blogspot.com)

Fomos durante anos a congressos regionais e nacionais da Sociedade Brasileira de Cirurgia-SBCP cobrando que algo fosse feito por essas crianças escalpeladas e outros casos tão graves. Para nossa surpresa, pela primeira vez, desde a sua fundação, a SBCP fez um mutirão com 40 profissionais e atendendo mais de cem cirurgias reparadoras em escalpeladas em Macapá-AP, era o inicio da fundação IDEAH que já operou mais de 5.000 pessoas gratuitamente pelo Brasil, inclusive as escalpeladas da Amazônia (http://fundacaoideah.org.br/?page_id=13). Nos dirigimos ao Conselho Federal de Medicina-CFM, em Brasília, e junto ao departamento de imprensa explicamos o que estava acontecendo com essas crianças na Amazônia, a sensibilidade do presidente e dos jornalistas da instituição gerou o vídeo com a atris paraense Dira Paes convidando a todos para a prevenção do escalpelamento (https://www.youtube.com/watch?v=moXi9qMZ-Io).

Ainda no CFM, visitamos com frequência a Câmara de queimados da instituição que através do ex-presidente Flávio Danuz, da Sociedade Brasileira de Queimaduras – SBQ, nos ajudou a inaugurar em Macapá um centro de tratamento de queimados que tratava também as escalpeladas. A mencionada obra estava parada faziam quatro anos!. Quando pensávamos em uma campanha nacional de prevenção ás mutilações por escalpelamento nos surgiu uma prima minha bem singela, seu nome é Aida Gemaque Mendes, que para minha surpresa, fez um depoimento que me emociona até hoje. Talvez por ela ter a época 100(cem) anos de idade ou quem sabe por ela ter me dado o prazer de iniciá-la no paraquedismo (https://www.youtube.com/watch?v=-XWCzvHcAUk), mas com certeza pela sua firmeza de caráter e de amor ao próximo nos brindando com o seguinte pedido:https://www.youtube.com/watch? v=Ef9M_cc0ZoY . Nesse vídeo ela dá uma grande lição de vida para todas as mulheres desse país. Lutamos agora pelos direitos humanos dessas meninas e mulheres no ambiente universitário, cursando Direito na melhor universidade do norte/nordeste, a UNIFOR, e, almejamos a magistratura federal na qual depositamos todas nossas esperanças por um futuro mais justo para esses seres humanos do gênero feminino da Amazônia. Concluímos esse breve relato na esperança que as mulheres do meio jurídico abracem essa causa em prol dos Direitos Humanos em nosso país. Somente quando o gênero feminino for maioria nos postos de comando dos governos e das empresas é que teremos “uma luz no fim do túnel” para a melhoria da nossa sociedade.

CLAUDIO CAVALCANTE DA SILVA

 

Fonte : Centro voluntariado da Amazônia 

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