Este número resulta de quase nove mil entrevistas anónimas feitas a migrantes nos últimos dez meses depois de percorrerem as rotas do Mediterrâneo Central e Oriental. No comunicado que tem online, a OIM informa que “este estudo é a primeira tentativa de quantificar a prevalência destas práticas de exploração de forma a realçar a sua escala e a sua frequência alarmantes”.
Estes migrantes que procuram refúgio na Europa ficam à mercê de criminosos no longo caminho que têm de percorrer e são muitas vezes mantidos em cativeiro ou a trabalhar sem serem pagos. Quase metade (49%) dos entrevistados que fizeram a rota do Mediterrâneo Central disseram ter sido obrigados a permanecer em determinado local contra a sua vontade e, com frequência, a trocar a sua liberdade por um resgate. A maioria dos casos registados aconteceu na Líbia.
O trabalho forçado é muitas vezes a única maneira de garantir um lugar num barco para atravessar o Mediterrâneo. Um barco que viajará certamente sobrelotado e que pode nunca chegar à costa.
“Sabe-se ainda muito pouco sobre a escala deste negócio ou quanto dinheiro está a ser feito com a infelicidade e o trabalho das pessoas que fogem da guerra e da pobreza”, disse ao diário britânico The Guardian Simona Moscarelli, especialista em anti-tráfico que trabalha para a Organização Internacional das Migrações. “O que este estudo mostra é que as redes de tráfico humano estão a tornar-se cada vez mais brutais e eficazes a explorar e a tirar lucros da vulnerabilidade dos migrantes.”
O relatório deste órgão das Nações Unidas identifica ainda outra realidade preocupante – a do tráfico de sangue e de órgãos. Entre as pessoas inquiridas, 6% admitiram ter visto ou ouvido relatos de pessoas obrigadas a dar sangue quando estavam em cativeiro ou a pagar com órgãos parte da sua viagem.
A duração da viagem tem diferenças significativas quando comparadas as rotas do Mediterrâneo Central com as do Oriental: nas primeiras, 35% dos entrevistados estiveram mais de seis meses na estrada, ao passo que nas segundas o número desce para 11%.
As rotas orientais, em que os migrantes viajam por terra via Grécia e Turquia, são muito menos usadas que as do Mediterrâneo Central, o que pode ajudar a explicar os dados. Nos percursos terrestes, 14% das pessoas apresentam sinais de tráfico ou de exploração. Desses, 6% estiveram em cativeiro, 7% dizem ter trabalhado sem qualquer compensação. Episódios de tráfico de sangue e de órgãos ocorreram na Turquia, Grécia, Albânia, Macedónia e Sérvia.
“A OIM está extremamente preocupada com a exploração e os abusos que os migrantes têm vindo a experimentar quando se dirigem para a Europa”, diz o chefe de missão desta entidade no Reino Unido, Dipti Pardeshi, citado no comunicado que está online. “É importante para nós olhar para a Europa e para o resto do mundo para vermos o que mais pode ser feito por aqueles que percorrem as rotas migratórias e por aqueles que já chegaram à Europa. Temos de nos lembrar que, independentemente das razões que levam as pessoas a deslocarem-se, ou do seu background, elas merecem protecção.”
É precisamente desta necessidade de protecção que se impõe que fala também o comissário britânico anti-escravatura, Kevin Hyland, sublinhando o facto de a crise dos refugiados estar a alimentar as redes de tráfico humano, que se aproveitam permanentemente dos mais frágeis. “É preciso agir urgentemente para proteger estas pessoas”, diz Hyland. “Acredito que a chave [para resolver este problema] está no Reino Unido e noutros governos assumirem como prioridade a salvaguarda contra os riscos da escravatura moderna e integrarem-na na sua resposta à crise dos imigrantes e refugiados”, acrescenta, falando ainda na necessidade de apertar o cerco aos traficantes e a todos os que lucram com este esquema de exploração humana.
O que os dados agora revelados pela OIM também revelam sem margem para interpretações ou para surpresas é que, quanto mais tempo um migrante está em trânsito, mais susceptível fica ao tráfico e à exploração. De facto, 79% dos que passaram um ano ou mais num país diferente do da sua origem foram sujeitos a pelo menos um tipo de abuso.
Fonte: Público.pt