Depois de chegarem à Europa, pelo menos dez mil crianças migrantes desacompanhadas terão desaparecido até janeiro deste ano. Algumas tinham apenas 4 anos e é possível que "muitas" possam ter sido vítimas de tráfico para exploração laboral ou sexual, mendicidade, tráfico de droga ou de órgãos. A informação foi avançada ontem por Manuela Eanes, presidente do Instituto de Apoio à Crianças, na abertura da IX Conferência Crianças Desaparecidas, que decorreu em Lisboa.
Dentro do fenómeno das crianças desaparecidas, a presidente do IAC referiu que uma das "maiores tragédias" é relativa às crianças migrantes não acompanhadas e lembrou que, em janeiro, a Europol revelou que, pelo menos, dez mil crianças desacompanhadas tinham desaparecido, depois de chegarem à Europa.
Nesse sentido, defendeu que os Estados membros da União Europeia adotem a legislação necessária e intensifiquem as formas de cooperação para protegerem todas as crianças desaparecidas, especialmente as crianças migrantes não acompanhadas.
"E porque não uma cimeira que exija mais meios e mais eficazes e melhor coordenação de esforços?", sugeriu a presidente do IAC. Manuela Eanes disse ainda que, em Portugal, entre 2013 e 2015, e tendo por base dados do Serviço de Estrangeiros e fronteiras (SEF), houve 60 crianças não acompanhadas que entraram no país com um pedido de asilo e que "acabaram por desaparecer".
Além de serem vítimas de exploração, a Missing Children Europe refere que há crianças que desaparecem depois de serem colocadas em centros de acolhimento para se juntarem às famílias noutros países da União Europeia, por vezes com medo de serem devolvidas.
A cada dois minutos, uma criança é dada como desaparecida na Europa. No ano passado, as 29 linhas de apoio que existem na Europa com o mesmo número (116000) receberam cerca de 210 mil chamadas: 54% eram fugas, 29% raptos parentais e 14% feridos ou perdidos. Segundo a federação Missing Children Europe, cerca de 46% das crianças dadas como desaparecidas em 2015 foram encontradas no mesmo ano, uma percentagem que fica aquém da registada em 2014 (67%). E é nos fugitivos que se dá a maior quebra. Se em 2014 foram encontradas 90% das crianças que fugiram de casa ou instituições, no ano passado apenas apareceram 57,1%.
Manuela Eanes lembrou o protocolo Alerta Rapto, celebrado em 2009, para sublinhar que se trata de um sistema europeu com o qual é possível "derrubar fronteiras, as reais, as linguísticas, as legais e, sobretudo, as burocráticas".
"Parece que o sistema necessita de ser revisto, podendo contemplar os chamados raptos parentais, designadamente nos casos em que há indícios de violência ou de problemas de saúde mental", propôs.
Em matéria de raptos parentais, o professor de Direito Internacional e ex-presidente do Tribunal Constitucional, Rui Moura Ramos, apontou que o sistema judicial português tem uma lacuna.
Segundo Moura Ramos, nos casos em que um dos progenitores sai de Portugal com a criança, sem autorização do outro progenitor, e o tribunal decreta o regresso do menor, o sistema judicial português não exige que seja avaliado se o progenitor que recebe a criança está ou não em condições de exercer a autoridade parental.
Presente na cerimónia, o presidente da Comissão Nacional de Proteção das Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR), Armando Leandro, aproveitou para defender a necessidade de combater a pobreza, sublinhando que é "impossível" a concretização dos direitos das crianças se as famílias forem pobres. O responsável chamou ainda a atenção para o problema das crianças refugiadas, que estão "em amplo sofrimento".
Fonte: http://www.dn.pt/sociedade/interior/criancas-de-4-anos-raptadas-para-trafico-de-orgaos-5203304.html